— Que inferno! PRONTO, JÁ ACORDEI! — essas foram as minhas primeiras e doces palavras logo de manhã. Eu tenho vontade de socar esse despertador com todas as minhas forças.
Novamente, lá estava eu em mais uma viagem internacional. Não consigo acreditar que vou me mudar de novo! Meu pai me disse que não iríamos nos mudar outra vez, pelo menos não por uma boa temporada e, de repente, de um dia para o outro, manda-me arrumar minhas coisas, pois Strangeville seria nosso próximo ponto de chegada.
Sinceramente, não entendi até agora o porquê disso. Ele é um biólogo e agora quer ir para uma cidade fora do mapa que, pelo o que ele disse, não tem nada de tão especial assim. Então, não deve ser por causa de seu trabalho que estamos indo. E isso me deixa mais confusa ainda porque meu pai ama o trabalho dele e praticamente vive para isso. Se ele está se mudando para uma cidade que não tem nada a ver com Biologia, então não tenho ideia do motivo. Além do mais, quando você acaba de fazer 16 anos, não é nada emocionante viver dizendo adeus para vários amigos que poderiam ser para sempre! É nessa idade que são construídas as amizades mais fortes e eu continuo parecendo uma intrusa em todo lugar que vou, apenas quando finalmente me enturmar, mudar mais uma vez e começar tudo de novo. Outro motivo pelo qual essa ida só me causa problemas é por causa da minha identidade. Eu não sei responder qual minha origem já que estive em tudo o que é tipo de lugar. Na escola, sempre que me perguntam meu nome e de onde eu sou eu tenho que responder: — Caroline Stuart... De onde eu sou? Eu sou de vários lugares porque meu pai é exótico demais para se manter fixo em algum lugar nem que seja por menos de 1 ano.
E agora também entra a parte em que todas as pessoas começam a se interessar na minha vida em um nível fora do comum e fazer perguntas que dizem respeito à mim e ao meu pai. Sinceramente? Essa é a coisa mais inconveniente e importuna de todas! Mas eu digo que não me importo, afinal, essa é somente uma parte da minha cabeça que só sabe reclamar, a parte em que eu necessito expor minha coletânea de opiniões sinceras para o mundo. Então eu a ignoro totalmente e continuo minha vida. Mais um motivo de eu não gostar de mudanças são as perguntas impertinentes sobre minha mãe. A única coisa que eu tenho a declarar sobre é que ela é tão peculiar quanto meu pai e que, por isso, é muito provável que ela tenha simplesmente cansado de ser mãe e fugiu pra nunca mais voltar. Novamente começa o interrogatório e me perguntam como e por que aconteceu, e sempre digo que não sei responder pelo fato de eu ser recém-nascida só para escapar do assunto. E novamente a parte chata do meu cérebro volta a atacar. Se meu cérebro resolve examiná-la, fico cabisbaixa e, ao mesmo tempo com muita raiva. Durante muito tempo pensei que o problema fosse eu, mas meu pai fez questão de me jurar que tudo era coisa da minha cabeça. E é por isso que essa história é assunto proibido para nós. Outra vez, o avião pousou em um novo lugar. Saímos do avião particular de trabalho do meu pai e entramos em uma picape em direção à pequena cidade do interior onde nos hospedaríamos. Dois caminhões de mudança nos seguiam com todos os nossos pertences.
O silêncio do meu pai durante toda a viagem era assustador. Ele sabe que eu não suporto esse monte de mudanças e geralmente tenta me convencer — e consegue — porque ele é quem gosta das viagens. Dessa vez, porém, ele aparentava estar pensando em algo que o atordoava, que o preocupava. Tentei iniciar um diálogo uma ou duas vezes, mas ele permaneceu quieto. Também não me importei; cedo ou tarde ele teria que falar.
Passei o caminho inteiro concentrando-me em não pensar na parte irritante de meu cérebro. Sinceramente, ela podia sumir. Assim eu não ia ficar angustiada e triste com o fato de ter deixado meus amigos para trás. O pior é que, quando me mudo, todos os meus rancores ficam mais fortes e eu me lembro de todos os momentos ruins da minha vida.
Adaptar-se à nova escola também é um fardo para mim. De todas as coisas irritantes que eu mencionei antes, essa se supera, e com força. Colégios dos Estados Unidos são todos iguais, cada um deles possui os grupos de sala de aula — vulgo tortura diária. — Eu sempre fico no mesmo grupo, e claramente não é o dos populares, o que também me irrita, já que eu só queria ser diferente nem que fosse uma vez na vida, os famosos "cinco minutos de fama". Às vezes penso que vou explodir, mas, como nada aconteceu até agora, tento ficar na boa. Chegamos à cidade. Tudo é tão estilo época medieval. As casinhas de madeira, pedra ou tijolos, a igreja, o parque, a escola tradicional, as feiras livres, tudo é muito parecido com aquelas histórias de contos de fadas. Chega a ser fofo. Sabe? Talvez não seja tão ruim assim morar por aqui. A cidade parece ser bem melhor do que aparentava ser baseada nas descrições do meu pai. Minha meta era fazer com que ele conseguisse permanecer nela por por pelo menos duas semanas, pois é, isso era quase impossível. Depois de uns 20 minutos, chegamos à casa. Ela é mais distante de todas; do lado esquerdo há umas duas casas e do outro lado existe uma campina enorme com uma única árvore gigante no meio. Fiquei curiosa com aquele campo. Ele me passava uma coisa tão diferente ou... sei lá, não importa. O que eu queria mesmo era explorar cada canto da cidade.
Strangeville é uma cidade tranquila do Maine localizada no extremo da costa noroeste de Nova Inglaterra. Ela parece ser tão misteriosa e é isso que me deixa energética para me enturmar rapidamente.
Saí do carro num pulo e fiquei observando o exterior da casa. Gosto de vê-la antes de estar abarrotada de caixas de mudança.
A casa era feita de tijolos e possuía algumas plantinhas com flores amarelas trepando pelas paredes. Ela tem três andares. No primeiro, há uma sala enorme com lareira e uma janela grande, um lavabo simples, a cozinha com bancadas espaçosas e sala de jantar com outra janela igual a da sala. O andar de cima possui três quartos e dois banheiros.
A primeira coisa que fiz foi escolher o quarto com banheiro; ele tem uma sacadinha e é bem espaçoso, o banheiro também é perfeito e tem uma pia enorme e uma banheira.
Definitivamente não seria tão horrível ficar aqui por um tempo. E nem preciso dizer que a casa é bem mais confortável do que imaginei. Desci as escadas e corri para fora de casa ainda sorrindo. — Pai! O quarto com banheiro e sacada é o meu! — disse eu enquanto saía correndo na direção do grande campo. Corri livremente ali naquela campina, ela é perfeita, com um gramado vivo e uma extensa variedade de flores. Assim que cheguei na árvore vi que nela tinha presa uma tábua com uma inscrição: A Árvore de Strangeville. Dei uma risadinha, aquilo era mesmo engraçado, como se a árvore fosse algum monumento sagrado, um Deus ou sei lá. Olhei rapidamente para além da árvore e não captei direito o que estava vendo: todo o mato a partir dali era morto, amarelo e quebrado. Talvez tenha sido exatamente isso que meu pai veio estudar, mas ele realmente não está interessado nessa parte e por isso disse que não tinha nada de interessante. Como isso aconteceu? Eu não tenho ideia, nunca vi nada igual. Parecia uma história de terror só de ver aquele lado morto do campo, mas respirei fundo e passei para o outro lado. Assim que cruzei a linha exata que separava a grama viva da morta, senti que aquele lado era mais carregado. Muito mais carregado.
Um arrepio e um frio na barriga enorme vieram; olhei em volta. Nada. Mas eu sentia uma presença e meus sentidos sempre estavam certos. Ou quase sempre. Concentrei-me e olhei com mais atenção. Vi um vulto enorme todo negro, como uma fumaça, vindo ma minha direção. Era enorme e cobria todo o horizonte. Claro, foi só um vulto e eles geralmente são breves, mas sempre presto o máximo de atenção quando vejo um. Corri imediatamente para o lado vivo. O frio na barriga e o arrepio passaram instantaneamente, e aquela carga pesada também.
Credo. Aquilo parecia um episódio de Black Mirror. Mas ao mesmo tempo que aquilo me assustava, me fascinava. Bom, seja lá o que for, Strangeville pareceu bem mais interessante a partir daquele momento.

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A árvore de Strangeville
AdventureO único sonho de Caroline era ter uma vida normal - morar em uma casa fixa, fazer amigos que durem e ser popular. Mas, sempre que se muda, ela precisa começar tudo de novo. E Caroline não é muito boa nesses 'novos começos'. Até se mudar para Strange...