Eu sempre gostei de música, não música clássica, me fazia dormir, mas fora isso ouvia de tudo.
Nunca fui desse tipo de pessoas que vai a um concerto, ou desses que sai de casa para assistir à ópera, achava chato, mas meus pais sempre me arrastavam pra esse tipo de coisa, deve ser daí que vem toda minha paixão pela música e toda a minha falta de amor pela música clássica.
De uns tempos pra cá eles pararam de tentar me levar pra esses lugares, pararam de insistir. Mas desde que nos mudamos da Inglaterra para a Irlanda eles voltaram a insistir e na última semana me arrastaram para mais uma dessas sessões de tortura. Eu não sei como concordei com isso, talvez seja o fato de eles terem ameaçado não pagar a internet no mês seguinte, mas isso é só uma hipótese.
Tive que me arrumar e colocar aquele terno, mais um desses rituais de formalidade desnecessários.
E depois de um longo caminho de carro chegamos no tal lugar. Me joguei na poltrona e apoiei a testa na minha mão direita, já estava na posição perfeita para não prestar atenção em absolutamente nada.
As cortinas se abriram e conforme os instrumentos começavam a ser tocados, uma luz se acendia na direção do músico. O piano começou a tocar, depois a harpa, a percussão, trompetes, trombones, tubas e trompas, contrabaixos, violas, violoncelos, logo os instrumentos de sopro e por fim violinos primeiros e segundos. Tudo igual, nada diferente das outras vezes.
Quando finalmente acabou e nós saímos do teatro, meu pai encontrou o chefe dele na saída, eles se cumprimentaram e toda aquela coisa, mas a conversa se estendeu e quando ninguém mais dava minha falta na conversa eu saí de fininho e fui "explorar" a área.
Ao lado do teatro havia um beco, onde fica a saída dos fundos e ao lado da saída uma menina com uma maleta que tinha um formato de violão, porém bem menor. Ela se recostou na parede, jogou o instrumento no chão, acendeu um cigarro e começou a fumar, olhou para cima e depois para o lado, e foi quando ela se deu conta da minha presença.
Definitivamente ela estava tocando no espetáculo que eu acabara de sair. Ela olhou para mim, deu sorrisinho e me perguntou o que eu fazia ali, eu não sabia bem o que responder, ela parecia tão livre, tão jovial e descolada que eu me senti um fracassado. Talvez fosse a minha insegurança ou o nervosismo mas eu a respondi com uma outra pergunta, "eu poderia estar voltando para casa mas eu estou num beco conversando com uma menina que me parecia certinha demais para fumar, posso saber o que você está fazendo aqui?" Ela deu mais um trago no cigarro, o jogou no chão, apagou com a sola da bota, recolheu o que eu supus ser um violino, veio andando na minha sorrindo e me convidou para ir a um bar, eu olhei para os meus pais, olhei para a menina que eu havia acabado de conhecer e fui!
Ela entrou no bar e parecia que já conhecia todos que trabalhavam ali, a menina se sentou em uma mesa perto do músico com o violão e o cumprimentou, e logo depois acendeu mais um cigarro. Quanto ao meu posicionamento sobre pessoas que fumam: não gosto. Eu olhei para a menina à minha frente, estreitei os olhos e fiz a pergunta que rondava a minha cabeça desde o momento em que eu a vi:
-Por que você fuma tanto?
Ela me olhou, deu um sorrisinho de canto de boca, entortou a cabeça para o lado e deu de ombros:
-Esse e o tipo de pergunta que eu ando evitando...
-Foi mal, não queria te deixar mal. Por que você faz parte de uma orquestra? Quero dizer, você não tem cara de quem toca um violino.
-Por que você não para de me fazer perguntas?
-Por que você não responde nenhuma das minhas?
E nessa parte da história nos dois já estávamos rindo dessa conversa que não nos levaria a lugar nenhum. Ela olhou para mim e me ofereceu um trago do cigarro - eu posso parecer um pouco sem personalidade agora, mas eu simplesmente traguei para não parecer tão careta - dividimos aquele cigarro e até agora não havíamos pedido nada do bar e ela parecia não ter pretenção de fazer isso quando me puxou pelo braço para fora do bar, eu apenas me deixei levar, há tempos eu não curtia uma noite na Irlanda como curtia na Inglaterra.
A noite começava a cair quando ela entrou num carro velho, e jogou o violino no banco traseiro, ela olhou para mim com uma cara curiosa e perguntou:
-Você não vem?
Eu apenas entrei no carro e foi a melhor coisa que eu poderia ter feito. Ela dirigiu perigosamente até um outro lugar; esse era mais escuro, parecia mais uma boate e quando chegamos, ela parou o carro, olhou para mim, tirou meu terno, minha gravata, bagunçou um pouco o meu cabelo e saiu do carro, eu a segui e em poucos minutos já estávamos dentro daquele lugar, ela parecia conhecer a cidade toda!
Ela gostava de uísque. Pegou um Jamie para começar, um Jack para diversão, ela colocou o Arthur na mesa, com um Johnny pronto para ser bebido. Conversamos um pouco mais, coloquei Van para tocar e levantamos para dançar. Sabe, ela acabou comigo nos dardos, e também ganhou de mim na sinuca, então ela me beijou como se não houvesse mais ninguém no lugar. No último pedido que fizemos, ela subiu no palco! Depois de dançar Cèilidh, cantou hinos tradicionais. Nunca escutei Carrickfergus em uma voz tão doce cantando à capela no bar fazendo a batida com os pés.
Ah, eu poderia escutar essa voz repetidamente por uma semana.
E nessa sala lotada eu poderia jurar que ela estava cantando para mim!
Eu a beijei no pescoço, a puxei pela mão e quando ela já estava tão bêbada a ponto de querer sexo eu disse: "Querida, eu só quero dançar."
Nós ficamos no clube até a hora de fechar, ficamos lá até um funcionário nos botar para fora. Eu estava segurando a mão dela e ela a minha, nós cheirávamos a fumaça, uísque e vinho. Ela já estava mais sóbria, mas ainda não podia dirigir. Nós nos olhamos e ficamos um tempo apenas respirando o ar da noite, renovando os pulmões.
Passado algum tempo, eu a coloquei no carro no banco do passageiro e me sentei no banco do motorista, perguntei onde ela morava e dirigi até lá. Era um prédio bem simples, o tipo de lugar que meus pai nunca me deixariam morar, eu poderia "manchar" o nome da família tão preconceituosa que eu fazia parte. Ela abriu a porta e nós dois saímos do carro, ela me deu um último beijo e quando eu já estava pronto para chamar um Uber para voltar para casa ela deu meia volta e me convidou para entrar e terminar um Doritos e uma garrafa de vinho, eu não tive como recusar uma oferta tão irrefutável e fui.
Entramos no simples apartamento da menina misteriosa de uma noite que eu poderia jurar ser exatamente como as outras de tão monótona, mas que terminou de uma forma tão inesperada!
Terminamos a noite comendo salgadinho e bebendo vinho, e quando eu já estava pronto para ir embora, ela me beijou de uma forma tão apaixonada, tão hipnotizante! Que eu jurei que a colocaria em música.
E quem diria! Ela toca violino em uma banda irlandesa e se apaixonou por um homem inglês!
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SUNG STORIES
Teen FictionVocê já parou para pensar nas histórias que as músicas trazem? Já pensou que "Night Changes" pode mesmo ter sido inspirada em um (ou cinco) encontro fracassado de alguém? Ou que a música da Clarice Falcão "Capitão Gancho" é sobre a infância dela? Po...