Inferno de Segunda-feira

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Eu detesto segundas-feiras. Eu imagino que seja por causa do domingo, que é aquele dia em que você quer morrer e não consegue, depois acorda na segunda sofrendo as dores desse suicídio que falhou.

Um copo de café costuma amenizar isso.

Como meu pai dizia: "O dia só começa após o café". Até para morrer ele teve que beber café primeiro. Passou aquele café preto e forte, que gosto agora por causa dele, bebeu comendo uma colher de grude¹ e foi tirar leite, pouco tempo depois eu o achei morto com o balde caído no chão, o leite derramado e o corpo jogado na bosta de vaca. Por isso não gosto de segundas, elas nos fazem lembrar todas as desgraças que vivemos.

Outra coisa que esse dia nada legal faz com a gente e mascarar as coisas que estão vindo de ruim. Sabe como? Por exemplo: você levanta da cama toma banho, toma o café, arruma para sair, veste a melhor roupa, quando sai na rua está chovendo, uma chuvinha leve e nostálgica que faz o cheiro de terra subir. Você até chega a pensar que a vida é boa afinal, mas a Deusa Segunda-Feira está só de tocaia, aquela chuvinha linda te faz tomar um escorregão e você cai de cara no chão, machucando lugares que você nem imagina ser possível, além de ter que voltar em casa trocar a roupa molhada e atrasar 40 minutos pro serviço, lá vem o chefe te obrigando a engolir centenas de sapos pegajosos.

Sabe como eu sei disso? Esse tombo foi semana passada. Se fosse terça eu não teria caído. Escorregado, feito um jogo de cintura, patinado, mas ficaria de pé. Se você toma um tombo desse em outro dia da semana você não tem sorte alguma, porque essas coisas só acontecem na segunda.

Me resta agora só observar com descaso as pessoas no ônibus enquanto a manhã se arrasta numa infindável tortura. Se você faz alguma coisa que não gosta ou não queira o faz com total falta de vontade. Eu não queria ter levantado da cama hoje, queria ter dormido até o sol da terça nascer, por causa disso, tudo hoje será feito com indiferença. Não é minha culpa.

Normalmente eu gosto de olhar as pessoas. Constantemente me pego as olhando como se fossem um quadro em um museu. As pessoas também possuem uma história por trás de todas as roupas espalhafatosas que usam de manhã como se fosse noite de sábado, o perfume exageradamente forte por ter sido usado demais. Observá-las me faz pensar na minha existência, no quanto eu me destaco diante delas por não ser como elas e no quanto eu gradativamente pareço querer ser como elas.

Pelo menos elas gostam de segundas, porque entram sempre com um sorriso no rosto esbravejando bom dias.

É segunda feira, meu Deus!

Nesta manhã eu as olhava com um olhar crítico, admirando os defeitos, com um certo deboche. Uma mulher entrou aos gritos com o cobrador. Ele não parecia disposto a acompanhar o entusiasmo dela e nem eu. Ela estava com o cabelo molhado caindo nas costas, deixando uma marca de água na sua blusa de oncinha dois números abaixo do que deveria ser para caber em seus seios avantajados. Gritava como se quisesse animar o dia de todo mundo talvez porque o dela não estivesse assim tão legal, as pessoas fazem isso, se escondem atrás de uma falsa felicidade. Eu prefiro responder os bom dia com falta de graça do que fingir que estou satisfeito com que está acontecendo com a porra da minha vida.

O mais engraçado sobre as pessoas são como os defeitos delas se sobressaem principalmente em momentos involuntários e imperceptíveis, você espera que a pessoa seja mal humorada (assim como eu) ou que fale palavrões, cheire mal, seja egocêntrica, todas essas coisas, mas os defeitos - os relevantes e perigosos - estão escondidos e se você não prestar atenção acaba deixando-os passar.

Havia um homem sentado no terceiro banco a frente do meu, encostado na janela lendo um livro já pela metade. Usava uma roupa normal pra uma segunda feira, uma camisa polo branca e um boné cinza sem estampa. Ele entrou na quarta ou quinta parada do ônibus e havia muitos lugares vazios. Ele escolheu um deles aleatoriamente, ou talvez por causa da janela. Poucas paradas depois o ônibus já estava bem cheio, mas o lugar ao lado do homem ainda estava vazio.

A primeira pessoa que ficou de pé me deixou um pouco incomodado, era uma mulher de meia idade, pensei que fosse pelo fato de ser mulher que ela não havia se sentado ao lado do rapaz, mas quando mais cinco ou seis passageiros recusaram se sentar ao lado dele eu já estava extremamente incomodado. Não sei se o rapaz também estava, talvez nem houvesse percebido por estar distraído na leitura, mas isso me deixou "P" da vida.

Porquê eles não se sentaram ao lado dele? Vou deixar você levantar as hipóteses.

Mas eu sabia porquê, e na hora que uma outra mulher entrou e olhou para o assento e depois para o moço, torceu a cara e ficou também em pé eu quase levantei e gritei para todos eles ouvirem o quanto eram filhos da puta, mas eu não levantei, era um filha da puta igual eles por não fazer absolutamente nada diante de uma situação como aquela.

Nem sempre conseguimos tomar atitudes para ajudar o outro quando não vamos ganhar nada em troca.

Já pensou por qual motivo eles não sentavam ao lado rapaz?

Ele era negro. Negro!

É uma grande merda quando você pensa que aquelas pessoas são capazes de atos tão ridículos como esse. Parabéns Segunda você se superou dessa vez jogando uma coisa dessas na minha cara tão cedo assim. Pior é saber que aquilo acontece com aquele cara todos os dias da semana, deve ser por isso que ele não desgruda os olhos do livro. O livro pelo menos não o trata com indiferença.

- Bom dia!

Nem havia percebido que a pessoa ao meu lado já havia descido e outra havia sentado em seu lugar. Uma menina até bonita de olhos castanhos claros, mas com uma pinta estranha na bochecha.

- Tá ótimo!

Se ela percebeu minha arrogância não demonstrou, começou a mexer rápido no celular. Ela usava um anel de caveirinha bem ridículo no dedo. Eu olhei pela janela, o sol já estava um pouco alto no céu, mas ainda tinha um tom alaranjado do amanhecer, invejo a disposição dele de acordar bem todos os dias. Pelo reflexo no espelho eu vejo a garota me olhando. Nossos olhares se entrelaçam por alguns instantes, seus olhos ganharam um tom amarelado com o reflexo do amanhecer.

Eu desviei os olhos por alguma razão, quando voltei arrependido a olhar o reflexo ela já não prestava mais atenção em mim.

Meu ponto havia chegado. Peço a ela licença para descer e é só aí que reparo o infinito desenhado em sua orelha enquanto ela arruma o cabelo cor de mel. Eu passo por ela e a comprimento antes de descer.

- Tenha um bom dia. - Digo.

- Está ótimo!

Ela nem sequer desviou o olhar do celular. Já na rua eu olhei para ela novamente, acho que ela também olhava para mim. Olhei também para onde o rapaz estava sentado, tinha uma pessoa ao lado dele agora. Bem a cara da segunda- feira mesmo, morder e assoprar.

                                                                                             -x-

¹: Comida rural feita com polvilho. Goma de mandioca. A maneira como é feito muda de região para região. 

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⏰ Last updated: Aug 11, 2017 ⏰

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