Segredos do sangue

Capítulo I

-Elle! - Acordo e levanto subitamente ofegante, como nas outras vezes. -Calma! - Aos poucos vou retornando a realidade com a ajuda de Samuel, ele alisa minhas costas enquanto controlo minha respiração. -Ta tudo bem! -Ele continua até que eu me acalme. - O pesadelo de novo ? -Concordo com a cabeça enquanto passo as mãos no rosto.

-Desculpe por acordar você, novamente. -Digo baixo olhando para ele.

-Tudo bem, combinamos que iríamos passar por isso juntos! - Ele se ajeita na cama, de forma que fica sentado na minha frente. -Alguma mudança ?

-Não! Nada. - Respiro fundo e fecho os olhos. -Como vou superar isso Samuel, meu maior medo agora sou eu! Não tem como eu me vencer!

Um momento de silencio segue, sei que nem mesmo Samuel, que foi quem me deu os poderes, sabe como seguir com isso.

-Levanta! -Ele dá um leve tapinha na minha coxa quando resolve mudar de assunto. Abro os olhos para encará-lo. -Ta quase na hora do treinamento. -Ele sai do meu quarto e fecha a porta. Olho para o relógio na parede a minha frente, quatro e quarenta. Ainda está escuro e tenho quinze minutos para estar pronta.

Depois que Dilan foi embora, Samuel reapareceu mais que determinado a me ajudar a ficar mais forte, já que as ameaças de Jamo só pioraram. Apesar de todo esforço dele para me ajudar as coisas vem piorando, as ameaças a minha vida se tornaram cada vez mais frequentes, meu poder parece estar totalmente descontrolado e eu me sinto perdida, sem saber o que fazer em relação a nada.

Levanto e tomo um banho rápido, visto uma roupa confortável e saio do quarto, Samuel está no balcão do apartamento tomando uma xícara de chá e tem outra esperando por mim. Pego a xícara e tomo um gole.

-Você está com uma cara péssima! - Ele diz com a borda da xícara entre os lábios, e depois toma outro gole.

-Não precisa expor o óbvio! -Digo. - Descobriu o que ta te fazendo envelhecer? -Quando Samuel começou a me ajudar alguns problemas começaram a surgir para ele também, ele acha que está se tornando mortal, então a gente vem se ajudando desde então.

-Não, só continuo com a mesma sensação de estar deixando de existir aos poucos. -Ele da um sorriso sarcástico. -Acabe logo esse chá e vamos!

Ele começa a ir em direção a porta do meu apartamento e eu tomo o restante do líquido de uma vez só o que acaba incomodando a minha garganta, ignoro isso e o sigo. Pegamos o elevador e a voz feminina do computador fala em voz alta o andar que apertamos, começamos a descer em silencio.

-Você acha que ele vai voltar ? - Pergunto olhando para a porta de metal a minha frente. Samuel respira fungo e finge que não me ouviu. -Adam me entregou uma carta ontem, do Dilan. -Ele vira para mim curioso.

-Como assim uma carta do Dilan ? -Ele pergunta.

-Ele me disse que quando ele foi embora, ele entregou a carta a ele e disse que ele me entregasse se ele não voltasse em dois meses. -Falei e a voz do computador falou novamente a palavra "térreo" dessa vez avisando que tínhamos chegado e então as portas se abriram, Samuel e eu saímos do prédio e começamos a correr em direção a floresta.

-Você já leu ? - Ele finalmente disse, enquanto corríamos.

-Não.

-Vai ler ? - Perguntou olhando enquanto desviávamos de um bêbado que dormia na calçada.

-Eu não sei, sinto como se ler a carta diminuísse as chances dele de voltar. -Respondo já meio ofegante. -Mas também sinto que se não ler, vai ser como se ele simplesmente tivesse deixado de existir.

-Então leia! - Ele disse quando já começávamos a adentrar a floresta. -Pelo menos vai ter uma parte dele consigo.

Continuamos a corrida em silencio, até que estejamos longe o bastando do meu apartamento para nos teletransportamos. Me curvo e apoio as mãos sobre os joelhos. Nunca vou me acostumar com isso. Depois que recupero o fôlego, seguro na mão dele e me concentro na velha casa que Adam me levou quando fomos treinar, depois de alguns segundos o solavanco de sempre e em seguida estamos no local exato que imaginei. O sol já esta começando a nascer.

-Beleza! -Ele diz esfregando as mãos por conta do frio. -Hoje vamos expandir seu poder.-Estreito os olhos.

-Achei que a gente já tivesse fazendo isso.

-Não! Quero te propor um desafio. - Ele me olha esperando uma resposta mas quando percebe que não vou fazer isso ele continua. -Você já me provou diversas vezes que é mais capaz do que qualquer outro ariano com sangue de anjo. Então quero que você crie uma realidade alternativa.

-Você só pode estar enlouquecendo... -Digo o interrompendo.

-Não estou não. Vamos pensar, seu poder se resume simplesmente em acreditar, então expanda isso.

-Você está soando como um louco. -Digo com os olhos arregalados. -Isso é impossível Samuel! Eu não vou brincar de Deus.

-Não estou pedindo para criar um mundo Elle! Presta atenção... -Ele continua enquanto anda a minha volta. - Pense como se estivesse em uma casa, com todos os cômodos vazios. Esse mundo é assim, você só precisa preenche-los com cores e moveis.

Passo as mãos no rosto pensando sobre o assunto, isso é total loucura, até mesmo para mim.

-Isso é impossível! -Digo por fim.

-Só se você acreditar que é! -Ele diz e se aproxima. - Por favor! - Olho para além dele e respiro fundo.

-Tudo bem, mas parece exigir muito poder Samuel, não sei se consigo. -Digo preocupada.

-É por isso que vamos treinar. Feche os olhos... -Ele começa a dizer. - Relaxe o corpo e se imagine em uma total escuridão, nada além de você. Imagine uma porta agora, fechada, bem a sua frente. - Faço o que ele diz. - O que tem dentro da porta ?

-Eu ainda nem abri ela. -Digo ainda de olhos fechados.

-E nem vai, é como se você fosse se teletransportar para dentro, mas para isso acontecer você tem que ter o lugar em mente. - Ele continua falando. -Então imagine, o que tem do outro lado da porta, que cor são as paredes, quem está La.

Dilan está do outro lado da porta, com um blusa preta e a jaqueta que ele sempre usa, ele está sorrindo, feliz por me ver novamente.

-Eu estou vendo... -Digo baixo quando a imagem começa a se formar em minha mente e fica cada vez mais real.

-Ótimo, agora vá para lá!

Começo a sentir meu corpo queimar, minhas mãos estão formigando, meu coração acelera cada vez mais e tudo começa a se tornar mais palpável, sinto o cheiro do perfume dele, escuto sua voz e então...

Meu corpo recebe um impacto forte, como se uma onda tivesse acabado de quebrar bem em cima de mim, tão forte que perco o fôlego e em seguida sinto meu corpo bater contra algo solido, abro os olhos e busco ar, tudo está turvo e Samuel apare com as roupas sujas de terra ao meu lado.

-Elle ? - Sua voz soa distante e abafada. Sinto minha cabeça doer e com dificuldade levo a mão ao meu nariz por que senti algo úmido escorrer. -Ai meu Deus! -Samuel se afasta e pega o celular, em seguida não ouço mais nada, vejo sangue em minha mão e apago totalmente.