Capítulo I

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O barulho do mar embalava os sonhos de Analu, pelo menos era o que o rapaz acreditava, mas na verdade, a jovem apenas fingia, estava acordada fazia um bom tempo mas, tinha medo de abrir os olhos e ser jogada de volta para a realidade, queria viver mais um pouco naquele conto de fadas que sua inútil mente insistia em criar.

A garota sentiu um beijo quente tocar sua face seguido de algumas carícias em seu cabelo, uma chama percorreu seu corpo dando-lhe coragem para abrir os olhos, se deparou com um par de olhos tão azuis quanto mar a sua frente, congelou, sabia que poderia lutar o quanto quisesse, jamais venceria aquela batalha, era viciada nele, no amor dele, completamente dependente e o fato de não conseguir se impedir de afundar naqueles malditos olhos era o maior indício de seu miserável fracasso. Teodoro Brandão a tinha em suas mãos, por mais que negasse seus sentimentos e lutasse para esconde-los, o rapaz sabia.

Ela nunca soube ao certo o que tinham, o relacionamento dos dois era como aquele brinquedo cafona o iôiô, um vai e volta, e mesmo cansada, Analu estava sempre disposta a brincar de novo só para o ouvir dizer aquelas malditas três palavras, mas ele nunca dissera.

— Bom dia. — Sussurrou em seu ouvido, aquilo fez seu corpo arrepiar, ele sabia, conhecia cada ponto para fazê-la derreter em seus braços. — Nós temos que ir. — Ele a advertiu, pulando rumo ao banco do motorista, ao se sentar, Teodoro prendeu o cabelo dourado em um coque bagunçado deixando alguns fios soltos, Analu analisava cada um de seus movimentos, cada detalhe, como se o rapaz fosse uma pintura exposta em um museu, só  para ser admirado. Ao perceber o olhar da menina pelo retrovisor, Teodoro soltou um sorriso de canto, indicando que a havia pego no flagra, o que fez o  coração de Analu dar um solavanco.

Ela só estava ali porque há duas semanas atrás cometeu o erro idiota de atender a ligação dele, não deu a mínima para a regra número um que Mellina a ensinou e quando ele falou sobre uma viagem rumo às praias secretas no litoral de São Paulo, esqueceu-se de tudo, das brigas, dos remorsos, dos "eu te odeio" e arrumou as malas. De fato foram duas semanas incríveis mas, ela sabia o que a esperava quando voltasse para a grande São Paulo, sua melhor amiga furiosa lhe dizendo o quanto ela era idiota, impulsiva e extremada.

O que ela podia fazer? Lutou de todas as formas possíveis e impossíveis para não tentar estender o ponto final daquela história, mas seu pobre e trouxa coração, insistia em criar falsas esperanças e acrescentar palavras em uma história já acabada, porque ansiava pelo tão esperado "final feliz".

Estava zangada consigo mesma, por acreditar em todas as mentiras de Teodoro de novo, sabia exatamente onde tudo aquilo iria acabar, não era um final bom para si, conseguia se visualizar em sua cama com um enorme pote de sorvete assistindo aos prantos os filmes inspirados nos livros de Nicholas Sparks. Teodoro não ia mudar, sabia disso, tinha que o banir de sua vida mas, ainda o amava e não é fácil se desfazer de um amor, principalmente quando ele se torna um vício. E era justamente esse o ponto, Analu se tornará completamente viciada no rapaz, seu corpo ansiava por uma dose de Teodoro todos os dias, o simples fato de não sentir o cheiro dele a fazia entrar em abstinência, e como todo viciado, ela acreditava que tinha controle sobre aquilo, sobre os seus malditos sentimentos,  mas bastava uma recaída para se afundar em toda aquela confusão que era Teodoro Brandão.

Analu sabia o quanto ele a fazia mal, anos atrás, simplesmente parou de olhar para si, esqueceu de sua vida e de sua existência, vivia loucamente em prol do rapaz, acreditava que só ele podia aquecer seu coração, que o amor dele era o bastante e tudo o que ela precisava. Demorou longos três anos para perceber o dano colateral que ele causava em sua medíocre vida, o expulsou diversas vezes, mas no final sempre atendia ao seu coração e implorava para que ele ficasse. Ouvir o seu coração era o que a fazia se enfiar em situações daquele tipo, ela mesma colocava a cara a tapa, possuía total conhecimento do fim e mesmo assim insistia. Não existia um final feliz para os dois e jamais haveria de existir, mas seu coração se negava a compreender aquilo.

Ela permanecia imóvel na parte traseira do carro em meio às cobertas e travesseiros que misturavam o perfume do rapaz ao cheiro de capim-limão do aromatizador do carro. Analu observava o mar se afastar de sua visão, logo estariam de volta a São Paulo e cada um iria para sua casa, ela  perceberia a idiotice que fizera, se afundaria em toneladas de comidas e filmes depressivos, demoraria séculos para reconquistar sua autoestima e quando a conseguisse, o rapaz a ligaria de novo a provocando com inúmeras mentiras que ela amava ouvir, este era o ciclo constante de sua vida, mas ela estava cansada disso, tinha que criar vergonha na cara e colocar o ponto final de uma vez por todas.

— Você não pode mais me ligar Téo, isso tem que acabar! — Ela falou chamando a atenção do rapaz para si, que a olhou intrigado tentando entender o que ela queria dizer.

— Desculpa, mas, eu não entendi. — Ele falou a observando atentamente pelo retrovisor, Analu suspirou tentando organizar a tremenda confusão em sua cabeça e na expectativa de criar coragem para falar o que a atormentava.

— Eu não quero viver de incertezas Teodoro e é só isso que eu ganho estando com você, não quero estar no convés quando o titanic afundar de novo, eu quero estar sã e salva no bote salva-vidas, por isso eu preciso saber o que nós somos? O que eu significo para você? Precisamos resolver isso de uma vez por todas, não posso viver nesse "vai-vêm" para sempre, eu só... não posso! — Já conseguia sentir seus olhos arderem, respirou fundo e contou até dez mentalmente, na expectativa de vencer as lágrimas, observou Teodoro que mantinha os olhos concentrados na estrada.

— Mas eu não quero que você vá! Eu... eu... — Por um momento a garota sentiu uma chama acender dentro de si, talvez não estivesse tudo perdido, ele só precisava dizer. — Eu também não quero ter que ir, você não pode me perguntar isso, porque eu não sei o que te responder, eu não sei o que somos Analu mas sei que você é importante pra mim! Acontece que eu não sou bom com relacionamentos, essas coisas não funcionam comigo, você sabe! —Ela o encarava boquiaberta, claro, Teodoro jamais seria capaz de dizer que a amava, como pode deixar isso invadir sua cabeça? Sentiu seu estômago ser bombardeado e seu coração ser pisoteado, não  queria parecer fraca e desarmada na frente do rapaz mas, falhou em sua batalha interna e lágrimas despontaram de seus olhos percorrendo caminho por seu rosto.

— Então é isso! Terminamos aqui... a menos que você... — Tentou falar entre os soluço.

— A menos que eu o que? — Teodoro quis saber, finalmente encostando o carro no acostamento.

— A menos que você seja capaz de dizer aquelas três palavras para mim! Estou te dando o poder de continuar ou encerrar essa história de uma vez por todas, está em suas mãos. — Analu prendeu a respiração, seu corpo inteiro queimava, o coração estava disparado, podia jurar que teria uma parada cardíaca, as ridículas borboletas deram sinal de vida. O rapaz colocou os olhos azuis nos olhos chocolates da garota, finalmente ele a estava encarando, o que a fez ter certeza de que morreria ali mesmo em poucos minutos, de fato ela morrera, não literalmente, mas Teodoro a assassinara com três palavras.

— Eu sinto muito!

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