Único

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©Essa história foi escrita por Kaline Bogard sem fins lucrativos, feito de fã para fãs. Cópia parcial ou total, assim como o uso do enredo, está terminantemente proibido. Plágio é crime.

***

A noite silenciosa e fria não o enganava.

Ele sabia que o clima era uma calmaria, como o prelúdio para uma tempestade. Era em noites assim que o pior sempre acontecia: primeiro o pai, depois a mãe. E então o irmão.

Todos sucumbindo em uma noite fria e silenciosa.

Exatamente como aquela.

Taiga redobrou os cuidados enquanto avançava pelas ruínas do que um dia fora uma cidade. Na época em que humanos dominavam a terra, sobressaindo-se como única espécie racional.

Época que deixara de existir muito antes que Taiga nascesse. Antes de seus pais e dos pais de seus pais.

Ouvia as histórias, conhecia a lenda. Mas não sabia separar o que era real do que não passava de balela. Existira mesmo uma época em que todas as pessoas eram livres e possuíam um teto seguro para se proteger da chuva, do frio e do sol? E água? Abundante ao alcance de todos? Não... não podia acreditar em algo sim.

Mas, talvez, o mais fantasioso era acreditar que um dia o mundo não era infestado por demônios. Que essas abominações assassinas e medonhas viviam confinadas no inferno, até então prisioneiros do apocalipse.

Taiga não conhecia nada dessa paz digna dos sonhos.

Desde que nascera, cerca de... dezesseis? Dezessete anos atrás? Sequer tinha certeza da própria idade. A única certeza que tinha era de lutar para sobreviver um dia a mais, sempre seguindo em frente, rumo a lugar algum, porque não restara lugar algum a se ir.

Humanos eram uma espécie em extinção. Há mais de um ano não se encontrava com outro semelhante a si. Por isso, tudo que lhe sobrara era a opção de avançar sem nenhum objetivo além de viver pelo menos um dia a mais.

A lua reinava soberana no céu. Cheia e avermelhada, alimentava os piores instintos demoníacos. Aumentava a fome das criaturas que preferiram carne humana acima de tudo, responsáveis pela extinção de toda uma espécie.

Com cuidados redobrados, Taiga avançou pelas ruínas da cidade, o corpo alto e magro envolto em um sobretudo velho e rasgado, quase um trapo. Mal o protegia do frio, embora ajudasse na camuflagem enquanto o garoto se esgueirava pelas sombras.

Ouviu passos pesados. Interrompeu o avanço, colando o corpo contra um amontoado de tijolos e concreto, o restolho de uma parede. Levou uma mão ao rosto e cobriu metade com os dedos longos. Precisava ocultar a respiração o quanto pudesse, encobrir qualquer sinal que entregasse sua presença.

O primeiro demônio apareceu. Era imenso, muito além dos dois metros de altura, o corpo grande e pesado recoberto por couro preto, quase impenetrável. A face animalesca parecia digna do pior pesadelo. Dois passos atrás estava a segunda besta. Menor do que o outro, de braços longos terminados em garras afiadas, a cabeça pontuda lembrava a de uma ave, lábios cumpridos rasgados por presas davam impressão de voracidade.

Caminharam sem pressa, cada passo marcando o chão onde não haviam escombros. Procurando algo que pudessem destruir, provavelmente alertados por algum instinto ancestral que os deixava sensíveis a presença de Taiga.

Passaram ao largo sem enxergar o humano que se espremia contra a parede, uma camuflagem tão frágil que poderia vir abaixo com um simples suspiro. Literalmente.

Taiga aguardou tempo suficiente para que a dupla de monstros sumisse de vista para arriscar-se a sair do esconderijo improvisado e esgueirar-se para longe dali.

Dodecaedro (AoKa) ||Português||Onde histórias criam vida. Descubra agora