Joaquim

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- Eeeeei! Ei, ei ei, você aí. Nooossa, que felicidade! Fazia tanto tempo que eu não encontrava alguém por aqui... Sabe como é, , lugar grande, não tem tanta gente... Você é novo por essas bandas, ? Não que eu conheça todo mundo, mas eu nunca tinha te visto. Venha, entre, vamos tomar um café. Tenho certeza que está com tempo.

"Seja bem-vindo, puxa uma cadeira. Não repara muito não, aqui é simples, mas eu tento deixar tudo bem ajeitadim. Aqui, ó, seu café. O açúcar tá nesse pote aí. Eita, eu não me apresentei, ? Me desculpa. Meu nome é Joaquim, mas pode me chamar de Quinzim, é como meus irmãos me chamam. Inclusive, você não vai acreditar no que aconteceu comigo dia desses – bem, eu não sei se foi realmente dia desses, já que aqui a gente não tem noção do tempo, mas você me entendeu –: eu encontrei com eles! É, com os meus irmãos! Deixa eu te contar essa história do começo."

"Eu era o mais velho de sete irmãos; depois de mim vieram o Francisco, o Manoel, o Mário, o Filipe, o Cássio e o João Carlos. Nós vivíamos em uma fazendinha simples no interior de Minas Gerais, com o pai e a mãe. Os dois eram muito trabalhadores, sabe? Tiravam o sustento da terra, trabalhavam muito. Nós também, os sete: era da escola pra fazenda e da fazenda pra escola. Mas o tempo foi passando, as coisas foram ficando difíceis e eu tive que largar a escola. Eu até gostava de estudar, a mãe não queria que eu largasse, mas não tinha jeito. 'Estuda, menino! Estuda pra virar doutor!', ela dizia. Era triste, mas eu precisava ajudar em casa, era minha obrigação como o mais velho, ? Ainda tinha seis possibilidades de doutor naquela casa, e pra isso eu tive que abrir mão de muita coisa. Ajudei bastante na fazenda, mas já tava difícil continuar ali. Foi aí que decidi tentar a vida na cidade grande."

"Fui pra capital ainda novo. Dói o coração só de lembrar da carinha triste da minha mãe e do abraço forte que o pai me deu. Juntei minhas coisas e fui. Tinha uma tia que morava lá, ela me ajudou muito no começo, sabe? Pessoa boa, ela. Arrumei um emprego como faxineiro em uma escola durante o dia e depois, à noite, era garçom num bar, perto da casa da tia. Dormia bem pouco, mas eu tava feliz, sabe? Conseguia mandar dinheiro pra casa, pagava minhas despesas na tia e ainda sobrava um dinheirim, que eu guardava pra tirar a carteira de motorista quando fizesse dezoito anos. Eu sempre quis dirigir, te juro, era meu sonho de criança pegar num volante e andar por esse mundão afora. Quando cheguei na idade, com muito custo, consegui pagar a autoescola e tirei a carteira. E foi bom demais, ! Pouco tempo depois apareceu um emprego de motorista na empresa onde um primo da tia trabalhava. Lá eu ganhava mais que na faxina, mas ainda continuei como garçom, ? Assim dava pra mandar mais dinheiro lá pra casa."

"Sempre que dava, eu ia em casa, matar a saudade. Os moleques tavam grandes que só vendo! O Chico já era maior que eu naquela época. Eu levava uns presentes pra eles quando sobrava dinheiro, e confesso que a melhor parte era chegar lá e ver o sorriso deles. Dava pra ver que era sincero. Um dia a mãe me contou que o Chico e o Manoel queriam parar de estudar também, pra poder ajudar em casa igual eu ajudava, mas ela não deixou. Conversar com aqueles dois foi difícil. Sabe como é, , tem uma idade que a gente põe na cabeça umas coisas e não quer tirar de jeito nenhum. Foi complicado, mas consegui convencer eles que o peso da caneta era mais leve que o peso da enxada." 

"Logo logo tava eu lá em beagá, de novo. Minhas idas até a fazenda não eram muito frequentes e quando aconteciam, eram rapidinhas. A empresa era boa, mas dava muito serviço, sabe? Eu tava sempre pra cima e pra baixo com o carro. Levava coisa, trazia coisa, buscava tudo quanto há. "

"E foi numa quinta-feira, já no fim do expediente, que eu morri."

"Eu tava passando por um cruzamento quando um caminhão furou o sinal e bateu em mim. Morri na hora. Ih, sô, não faz essa cara aí não, porque se você tá aqui comigo é porque a gente tá no mesmo barco! Coloca um sorriso nesse rosto, essa não é uma história triste. Quer dizer, eu imagino que no começo as coisas foram bem tristes lá em casa, sabe? A gente não fica sabendo como a vida dos que ficam lá continua, mas a morte chega pra todo mundo mais cedo ou mais tarde, ? Só aconteceu que, pra mim, chegou mais cedo."

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