A situação estava se complicando. Ele não podia, de jeito nenhum, deixar aquilo acontecer. Resident evil: O hóspede maldito tinha estreado com críticas apenas relativamente desfavoráveis; apesar de má adaptação, era um filme assistível — e isso abria terreno para filmes cada vez menos piores. Inaceitável. Alguma medida drástica deveria ser tomada.
— Joyce, pense em algo urgentemente — disse ele à sócia, no telefone. Estimava–a muito. Fora ela quem conseguira–lhe o contato de Rocky e Annabel e o introduzira em seu círculo de amizades, até que ele conseguisse convencê–los de que deveriam trocar aquele roteiro genérico e já conhecido de Super Mario Bros. por um de uma distopia de realidade alternativa que ele mesmo havia escrito... Em suma: a empresa era bem–sucedida em grande parte graças a ela. É claro que o Yukich ele já conhecia de longa data, então não fora difícil mostrar–lhe os rumos que poderia seguir no roteiro de Double Dragon, para que o filme... desse certo.
Terry sentou–se na varanda de seu escritório, copo de rum à mão, observando a cidade ao entardecer. Girando a bebida no copo — a única que ele não deixava faltar, tanto ali quanto em sua casa —, pensou nas vitórias que havia obtido até então. Talvez a maior tivesse sido, de fato, a primeira, mas o resultado que ele mais prezava fora o obtido com Street fighter: A última batalha. Fora um sucesso comercial, claro, mas, ainda assim, a decepção ficaria cravada por muitos anos no coração dos fãs que fizeram fila na porta dos cinemas. Em seguida viera Mortal Kombat, quase levando sua jovem empresa à falência, mas ele se recuperara conseguindo uma grande influência nas decisões finais de Mortal Kombat: Aniquilação. A empresa voltou a crescer, e então veio o grande sucesso de Wing commander: A batalha final. Ah, se conseguisse manter esse padrão, tão belo, nos títulos... De qualquer forma, naquela época ele e Joyce gostavam de afirmar que eram poucas as empresas no mundo que conseguiam tanta efetividade na realização de seus objetivos. Eles estavam certos de que, com aquele último filme, tinham enterrado de vez aquela vontade estúpida que as pessoas sentiam em adaptar aquelas aberrações... e então diversas empresas juntaram forças para fazer o Tomb raider — e com uma gostosa famosa no papel principal ainda. Tiveram que batalhar para se infiltrarem, e ele devia também aquela conquista a Joyce. Ela conseguira levar o roteiro a virar aquela bela merda, e ainda deixar o filme com o ridículo título de Lara Croft: Tomb raider.
No entanto, tudo o que sobe um dia desce. Começaram a realmente se preocupar quando ouviram que uma das grandes empresas de videogame ia começar a produzir sua própria adaptação para o cinema. Certamente eles não conseguiriam atingi–los, especialmente porque não falavam japonês. Já haviam perdido a oportunidade com a otimamente realizada adaptação para anime daquele maldito jogo de luta, e agora aquela outra facada lhes atingia, a adaptação do mega–sucesso Final fantasy. Felizmente conseguiram um correspondente freelancer no Japão, e o filme foi um fracasso tão grande que o novo estúdio de cinema da tal empresa chegou até a falir. Melhor assim. Contudo, ele e Joyce haviam se envolvido tanto com as diretrizes para o japonês que haviam perdido o timing da infiltração na produção do Resident evil. Como a principal empresa responsável por ele era consideravelmente maior que aquelas às quais eles estavam acostumados a lidar, não era tão fácil influenciar os produtores executivos, e deu no que deu: um sucesso comercial, com a arrecadação de quase o triplo do orçamento. E um filme assistível, vale lembrar — o que era muito pior.
Terry bebeu o último gole do rum e voltou para dentro do escritório. Com uma chave do molho que estava sobre o aparador ele abriu a gaveta da mesa; com a chave que tirou lá de dentro abriu o cofre; e com a chave que tirou do cofre abriu o compartimento secreto da parede. Fazia isso sempre que precisava de iluminação espiritual ou de fortalecer seu espírito em prol de sua meta maior — e, naquele momento, ele precisava dos dois. Dentro do armário secreto, gastou um tempo contemplando seus tesouros: dois consoles destruídos, um Nintendo Entertainment System e um Atari 2.600, e os crânios de sua única namorada e de seu professor. Ela nunca mais o deixaria de lado para ficar jogando, e o velho nunca mais abusaria dele com a desculpa de que fosse jogar Enduro. Era importante fortalecer aquele ponto de vista, e era sua missão — única e infindável — livrar o mundo da influência daqueles demônios eletrônicos... e, por Deus, ele a cumpriria.
O telefone trouxe–o de volta do mundo de memórias.
« Estamos salvos », disse Joyce do outro lado da linha. « Encontrei o homem que será nossa salvação, um diretor alemão cheio de projetos. Não sei pronunciar seu nome direito, Úe, Úve, Iúe, escreve–se U–W–E, sobrenome Boll, e ele me mostrou roteiros para as adaptações de House of the dead e de Alone in the dark que, com certeza, vão me tirar o sono por semanas. »
— De tão amedrontadoras?
« Não, não, de tão ruins mesmo. Sinceramente não sei como um ser humano é capaz daquilo. »
Terry desligou o telefone com um sorriso reconfortador.
Fechou seu armário, guardou as chaves e encarou o logo da Critical Failure Inc. em dourado e prata na parede.
Sua missão só estava começando.
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Falha crítica
Short StoryDeve haver um motivo pelo qual TODOS os filmes que são adaptações de videogames sejam, na melhor das hipóteses, assistíveis...