CAPÍTULO ÚNICO

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A claridade que adentrara a janela ardia profundamente meus olhos que em meio todos os pensamentos já estavam avermelhados.

A essa altura do campeonato já não tinha certeza de exatamente nada. Apenas que os três últimos glorificantes e maravilhosos anos de minha vida não haviam passado de uma enorme mentira.

Todas as tardes na cafeteria, jantares à luz de velas, buquês e mais buquês de róseas vermelhas. Tudo, tão significante para mim. Mas... E para Matteo?

Sobre passos leves e cautelosos dirijo-me até o banheiro e lavo o rosto para que ainda reste-me um pouco de dignidade.

"Bib-bib" ecoa pelo quarto. O mesmo da noite passada.

Desta vez dizia: "Amor, quando volta do trabalho? Duda chama por ti."

E de forma dolorosa e irrelevante descobri estar destruindo uma família, eu, logo eu, que cresci visualizando o triângulo amoroso de meu terrível pai, e as noites chorosas de minha tão bondosa e adorável mãezinha que descansa em paz no reino do Pai.

Os olhos de Matteo davam-me sinal de que estavam prestes a serem abertos após uma profunda noite de sono.

— Volte a dormir querido! — digo deslizando a mão sobre o seu rosto angelical e fechando os intensos e penetrantes olhos azul celestial que já não havia efeito contraditório sobre mim.

Após ouvir um suspiro aliviado vindo de Matteo, organizei meus pensamentos novamente.

Pus-me sobre a enorme banheira preenchida com água morna, que resumiram tantas noites de amor e deixo que os sentimentos falem por mim.

Certamente quando despertar de sua majestosa noite de sono já tereis partido. Não chames por mim e pode se sentir culpado. A verdade, é que deixei de te amar.

Como se deixa de amar alguém após três anos? É estranho, eu sei. Mas bastou duas simples mensagens e uma foto escondida na carteira, para que todo meu amor evaporasse inteiramente.

Seguindo os passos de minha mãezinha, reproduzo tudo calmamente.

Lhe peço uma coisa, não cause na Duda o mesmo impacto que foi me causado durante toda minha vida.

As pílulas descem por minha garganta de forma leve e sútil. Não tem mais volta. O estrago já foi feito. Não me arrependo. Cresci vislumbrando como seria minha morte. Temia ser por doença, assassinato, ou até mesmo tostada em uma cadeira elétrica, após dar um fim na vida de meu pai. Mas contrário disso será calma e desejada por mim.

Aos poucos o efeito me vem. Não quero parecer um corpo inválido.

Pensamentos bons surgem rapidamente e tumultuados em minha mente que aos poucos se encontra cada vez mais falha.

O balançar das árvores, pássaros e mais pássaros cantando o quão bom é viver a vida pela manhã, o cheirinho de arroz sendo refogado as dez da manhã por dona Glória, o belíssimo agudo da ópera que ouvira uma única vez quando criança, o gostinho adocicado da geléia de amora, Beth e Lina, como eu as amo desde o tempo de escola, meu primeiro dente arrancado — adorava ficar passando a língua na gengiva falha e sentir o gostinho de sangue que ficava por dias —, meu primeiro e exótico beijo. Tudo me passa pela cabeça. Eis o motivo do enorme sorriso.

Mas acabou. Levemente pude ver pelo reflexo no box que eu estava ainda mais bonita. A palidez sempre me caiu bem e se tornou bem mais vigorosa devido aos fios ainda mais negros agora que molhados pela água.

Uma única certeza levo comigo, o amor é algo bonito demais para ser desperdiçado com alguém que não o mereça. Então o colecionarei apenas para mim, não o compartilharei novamente.

Mãezinha sempre dizia que não se deve ser egoísta, devemos dividir tudo aquilo que temos de sobra.

Mas minha doce mãezinha, deixo bem claro, o amor que agora tenho é o suficiente para amar apenas a senhora, Deus e a mim. Não morrereis egoísta.

E sorrindo lhe digo Matteo: Você não mais me beijará. Guarde pra ti os teus impuros "eu te amo"!

Com amor, Helena!

Com amor, HelenaOnde histórias criam vida. Descubra agora