- Acooooooordaaa- berrou minha mãe ao telefone.
Maldita hora em que pedi pra que gritasse pra eu gravar e pôr seu áudio no meu despertador. A minha ideia era eu finalmente conseguir acordar com um despertador, e não acordar a vizinhança inteira.
Levantei rápido da cama e fui cuidar da minha higiene matinal. Preferi não fazer a barba. Com ela, eu ao menos parecia um pouco mais velho que a minha aparência de vinte e um. Mesmo que eu, na verdade, tivesse vinte e quatro.
Entrei no quarto de Gina e lhe beijei o rosto levemente para que não acordasse. Saí de fininho e desci pra tomar café extremamente rápido e sair para o trabalho.
Aquela seria uma manhã especial.
Os avaliadores do doutorado em música iriam ao prédio da Columb para avaliar a mim e mais dois amigos. Estávamos tentando entrar pra a DMB (Doutores da Música no Brasil). A melhor academia para doutorado em música no país, mas que sempre foi extremamente seletiva no seu grupo de alunos.Ainda bem que um dos prédios onde a prova poderia ser realizada era a escola de música em que nós trabalhávamos. E por falar na Columb, o emprego exigia que seus funcionários com mais de quatro anos de cargo tivessem doutorado em música ou fossem estudantes do mesmo. Então, como os professores mais jovens, eu e meus amigos estávamos buscando a permanência no emprego.
Quando cheguei à escola, caminhei direto para a minha sala. O piano parecia agora um espartano com uma espada querendo me matar, me encarando e perguntando se eu teria coragem de avançar. Só de olhar para ele, a boca do meu estômago formou um nó e eu senti enjoo.
Sentei e comecei a praticar. Iria tocar Fiona, algo simples, mas capaz de impressionar o avaliador se bem tocado. Além do mais, eu iria adicionar umas sinfonias e fazer alguns arranjos para os quais eu havia me preparado durante muito tempo.
Eu quase conseguia ouvir a voz da minha mãe dizendo: "Dê o seu melhor". Mas a verdade é que o meu melhor nem sempre foi compreendido.
Não demorou muito e o avaliador chegou. Era um homem corpulento, alto, calvo e usava óculos retangulares. Só de olhar suas feições, eu tremi. Ele parecia o tipo de homem sério que releva qualquer coisa a fim de fazer qualquer um ter medo de errar até um tempinho pequeno.
- Bom dia, Sr. Chemovz.
- Bom dia, Sr. Ferreira.
- Quando quiser.
Assim que ele falou, eu congelei por três segundos. Não pensei que fosse acontecer tão rápido, sem uma entrevista ou conversa antes. Mas foi precisamente e diretamente assim.
Eu olhei para o piano e o senti me olhar de volta. Respirei fundo, alonguei e comecei a tocar. Logo nas primeiras notas, o som agradável do piano invadiu minha cabeça e o meu peito. Tentei conduzir a música em seu tempo certo como eu sabia que conseguiria, mas infelizmente, aquele era um entre centenas de arranjos que me inspiravam a ponto de eu surtar e fazer meu próprio tempo.
Percebi que eu estava saindo totalmente da composição original e transformando um novo estilo, mas quem se importa? Eu estava fazendo meu próprio tempo, acelerando onde deveriam haver pausas maiores, e tocando lentamente em partes mais rápidas, mas era justamente isso! E eu queria que aquele momento fosse compreendido. Era a minha mensagem. Era o meu eu. Minha singularidade.- Já chega!- falou o instrutor de maneira súbita- Já vi o suficiente!
Ele se levantou da sua cadeira, caminhou até a porta e saiu, deixando-me perguntando a mim mesmo "1O que foi que eu fiz?", muito embora a resposta na minha cabeça fosse clara e evidente.
Saí da minha sala e encontrei Carlos e André no corredor, meus amigos e professores de música da escola.
Carlos, o mais velho, era professor de violoncelo e tinha as classes menores de nós três. Era responsável e inteligente, e, por incrível que pareça, também era o mais maduro. André, o mais "cara-de-pau" era professor de saxofone e era uma espécie de sex symbol para as alunas. Era até bom sermos os professores "novinhos" da escola. As alunas, em sua boa parte, era malucas por nós.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Sons e Outros Tons
RomanceLuís Chemovz é pai solteiro e professor de piano na Escola de Música Columb. Ele se envolve com a intrigante e apaixonante Camile, uma excelente aluna e promissora pianista. Camile é uma mulher instigante, mas cheia de medos por nunca ter vivido um...