Capítulo 1 - Café

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Minha vida está oficialmente uma bagunça. Mamãe liga toda noite e não consigo contar isso pra ela. Já fez tanto sacrifício e tem tanto orgulho de mim... Inferno. Meus pés estão me matando. A dona da loja disse que esses coturnos eram confortáveis. Se conforto é associado a pedras e tijolo então ela acertou. Eu preciso muito deitar. Não. Preciso ler aquele artigo. Foco. (telefone tocando) Onde aquela droga tá? Achei.

"Oii mãe. Sim, tá tudo ótimo. Amo NY. Juro que tô bem. Não precisa se preocupar, ok? Semana que vem eu e você passeando por aqui. Yay! Eu sei. Também queria o show das Bangles de novo. Mas vamos no Central Park e vamos procurar esquilos bonitinhos. Sim mãe, podemos dar comida pra eles. Eu sei que as patinhas dele são fofinhas. Muito fofinhas. Também te amo."

Mentir pra Lorelai Gilmore nunca foi minha coisa favorita. Mas por enquanto, sinto que primeiro devo me resolver para depois rirmos juntas disso tudo num futuro distante. Só preciso de tempo. Respira. Você tem um diploma, tem 24 anos, é solteira e está em Nova York. Esse é o sonho, não é? Enquanto olho meu rosto sonolento no espelho, Lane manda uma mensagem com uma foto dos gêmeos. Eles estão enormes. E lindos. Atravesso o quarto e deito na cama ainda com o coturno nos pés. Coloco os braços atrás da cabeça e fecho os olhos por alguns segundos.

Para estragar o momento, entra pela porta meu lembrete diário de que sou um fracasso. "Rory, o que você pensa que tá fazendo?? Para de dormir e vai escrever! Você é graduada em YALE! Se fosse na Princeton eu até entenderia essa depressão. Mas é YALE. Tem um bilhão de oportunidades pra você lá fora. É só procurar direito. Você lembra das minhas planilhas?? Se você não lembra eu vou fazer uma AGORA MESMO. Rory?" Eu enfio a cabeça no travesseiro e levanto um dedo positivo. Sim. Paris é minha colega de quarto. De novo. Eu pago 1/4 do aluguel e ela me deixa ficar aqui. Paris é a consciência que eu às vezes perco - e o apartamento é espaçoso e iluminado. Não posso reclamar. E sei que ela tá certa. "Me faz uma planilha bem colorida", tomo forças pra gritar enquanto ela sai catando post its pela casa. O silêncio do quarto e o conforto da cama fazem eu pegar no sono em dois segundos.

Por uma pequena fresta dos meus olhos, enxergo meu celular me despertando. Só consigo pensar vai se catar. Parece que dormi cinco minutos. Termino de acordar debaixo do chuveiro. Tomo meu café enquanto ando de toalha pela cozinha. Coloco uma saia de veludo vermelha e uma jaqueta jeans. Me olho no espelho. Franja desalinhada, confere. Olheiras, confere. 7h55. Levemente atrasada. Minha jornada matinal consiste em pegar um elevador de oito andares e correr duas quadras até o trabalho - Central Perk. Nada se compara ao Luke's, mas é uma boa cafeteria.

Tiro a jaqueta e coloco o avental por cima da saia. Além de colocar a plaquinha "aberto" virada para fora, abro as cortinas, ajeito os enfeites de flores nas mesas e ligo a cafeteira. E aí, vem a espera. Um por um, entram sedentos por café. Gunther, meu chefe, é um cara de poucas palavras, mas nos damos bem. Quando tem pouco movimento, ele me deixa escrever meus artigos na bancada. E assim vou levando. Unindo o trabalho no café com um bico e outro em algum jornal. E é isso que ainda não contei pra mamãe. Às vezes fico até achando que ela já sabe. Com a Paris existindo no mundo e sabendo disso, é difícil acreditar em sigilo.

15h30. Isso vai encher em meia hora, penso comigo. Quando o sininho da porta soa, minha expectativa de ter mais tempo para escrever é quebrada. Impaciente, tiro meu olho do papel, faço um coque com a caneta e ligo a cafeteira. É tudo tão automático que nem percebi o cliente se aproximar e sentar no balcão à minha frente.

- Você podia pelo menos fingir que lembrava de mim - diz lentamente Jess Mariano.

- Ai meu deus!! Jess! - digo dando a volta no balcão e abraçando-o forte.

- Bom te ver, Gilmore. O que faz em NY?

Enquanto ele fala, volto para trás do balcão e mexo desajeitadamente no coque e no avental.

- É uma longa história...

- Isso explica o avental – diz me olhando e arqueando a sobrancelha.

- É complicado, Jess.

- (suspira) É só eu sair da sua vida que você se perde ...

(minuto de silêncio)

- Desculpe. Isso foi meio grosseiro. – diz abaixando a cabeça.

- Não, não foi. Eu às vezes queria ser corajosa 100% do tempo.

- Você sempre foi... Ainda é, só se esqueceu.

(máquina de café apita)

- Olha, seu café.

- Mas eu nem pedi nada.

- Cortesia da casa – sorrio colocando o café na bancada.

- Obrigada. Tem bolo?- levando a xícara à boca e dando um sorriso de canto.

- Não abusa também. – falo em tom de desaprovação e depois sorrio tímida – Hoje pode escolher o que quiser. Mas só hoje.

Ficamos sorrindo e nos encarando por um tempo. Honestamente, não achei que ia me sentir tão nervosa por ver ele. Tínhamos nos visto no Natal. Mas era diferente. Não estávamos sozinhos.

- Que foi? - precisei quebrar o silêncio.

- Você.

- To suja? - passo a mão no rosto.

- Não. Só notei que você é ainda mais bonita do que eu lembrava.

- E você não mudou nada – me sinto corar.

- Um elogio?

- Pode levar como um.

- Olha só, tenho uma reunião com o John Green agora, mas... – hesitante - O que você me diz. Eu e você andando por NY hoje à noite. Sem rumo.

- Às 18h na frente do café?

- Perfeito. - sai andando de costas e acena de leve quando chega à porta.

Ver Jess sempre me acalma. É incrível como ele amadureceu ao longo desses anos. É um bom amigo. É. Definitivamente um ótimo amigo.

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⏰ Last updated: Aug 24, 2017 ⏰

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