Tá, eu não sou santo. Nunca fui e nunca fiz questão da alcunha, mas quando cheguei jamais supunha passar o que ia passar, viver e ver o que agora vejo. Meu mundinho em Feira de Santana cresceu algumas centenas de milhares de hectares quando pus meus pés em Copacabana, para me prostituir para vampiros. Logo eu, que achava que vampiro era tipo o chupa-cabra: uma lenda pra pôr as crianças pra dormir depois do Jornal Nacional. Mas sempre soube que minha passagem por essa vida não estava delimitada pelos muros bocejantes da previsibilidade. Por isso vim atrás do terror, do desconhecido, do oculto.
E êta terra estranha essa tal de Rio de Janeiro.
Conheci Dani num grupo do Facebook sobre Evanescence – que até então eu supunha ser o máximo da excentricidade; me dê um desconto: apesar de Feira de Santana já não ser como há vinte anos atrás, vestir-se de preto, pintar os olhos e lábios e deixar o cabelo crescer já é o suprassumo da esquisitice. Quando passei a visitar cemitérios e andar em grupinhos para encher a cara de vinho ai sim, minha avó quase me internou. Graças a degradação do SUS e sistema psiquiátrico não pude ser enjaulado. Não sou louco. Posso até ser estranho, para os moldes normais de jovem adulto de dezoito anos, mas nada além disso. Louco foi meu tio, que me fez sentar no colo dele quando tinha pelo menos nove anos, pra roçar o pau duro em mim. Por alguns anos matei-o mentalmente, das formas mais horrorosas, mas hoje acho que já superei isso, afinal meu tio só aflorou uma homossexualidade que já tinha. Ah, claro que ainda o acho um cretino, se quer saber.
Após minhas muitas idas e vindas à Lan House do bairro – computador em casa? sonha! – chatices da família, que de católicos de repente passaram a ser crentes e um avassalador tédio em particular fui convencido por Dani a vir para o Rio. Eu óbvio, não ia deixar passar uma chance dessas. Sem falar que gostava de Dani, de seu gosto musical, de seu papo e quando nos vimos pelo Skype percebi que era até um tanto bonitinho (redes sociais estão sobrecarregadas de promessas vazias, do tipo como se diz na minha terra:conversa pra boi dormir. Meu paciente amigo, ouvinte de minhas lamúrias de interior dizia viver altas aventuras em um quitinete em Copacabana. Enviou-me fotos de verdadeiras festas góticas, raves, luaus regados à devassidão... foi quando soube de movimentos como o Cyberpunk ou oSteampunk. Parecia viver em mundo paralelo ao meu e principalmente quando ouvi sobre um tal “Clube de Cavalheiros”, entrei em parafusos. Óbvio que de início o termo vampiro me parecia meio exagerado, mas Dani me garantia ser uma raça superior, com filosofia própria, ritos muito ímpares.
Nunca a Bahia me pareceu tão pequena e incompreensiva.
Precisava conhecer esse tal “Clube de Cavalheiros” e porque meu amigo nutria uma devoção tão desmedida por aquilo. E como um golpe do destino minha avó me comprou uma passagem para a Cidade Maravilhosa, afim de que me afastasse das “más companhias”. A ideia inicial era vir e ficar hospedado na casa de um primo. Claro que as coisas não saíram como ela previa e então cá estou com minha amizade colorida. Juro, assim que puder voltarei a entrar em contato com vovó, ela não merece um garoto tão desajuizado, eu sei. Mas é meu caminho e querendo ou não, os dezoito já me permitem essa escolha.
— Tem certeza que essa roupa ..é roupa? – ponha-se em meu lugar: um rapaz que acabara de chegar de um lugar cujo cabelo comprido e vermelho era um pecado mortal e agora sair de coturno, meias arrastão, short tão curto a ponto de mostrar a polpa da bunda, sem blusa e coberto de anéis, cordões e spikes em plena Avenida Atlântica é quase um choque cultural – Caramba, tô me sentindo nu...
E olha que o sobretudo de vinil, sem botões foi pra dar uma “quebrada” na nudez, segundo meu querido Dani. Até entre os travestis no calçadão, marcando seus pontos percebi sermos extravagantes.
— Já te disse que tá ótimo, primeira vez tu vai ficar assim mesmo, inquieto Fred – Daniel estava trajando vestes tão pouco convencionais como as minhas, tão góticas e tão maquiado quanto eu; ah, claro, e chamava tanta atenção quanto – a maioria lá tem grana e tô falando dos do nosso lado... dos que vão lá pra servir de caça. Já a gente junta o útil ao agradável.