Preciso confessar algo: estou triste. É sério. Logo agora que as coisas estavam se equilibrando novamente, parece que aquele sofrimento, aquele sentimento de ser deixada de lado voltará. Acabei de ver mamãe, vovó e vovô colocando enfeites por toda a casa e montando uma árvore cheia de luzes piscantes. Acho que é o Natal chegando novamente. Eu não gosto de Natal.
Como explico isso pra você? É que tenho só quatro anos e já estou depressiva. Não acho isso normal. Até onde eu saiba, eu não deveria nem saber falar a palavra depressão, quanto mais senti-la.
Calma, eu sei o que você deve estar pensando. "Como alguém tão pequenininha usa tão bem as palavras?". É aí que está. Eu sempre fui precoce. Lembro-me da primeira vez que mamãe me pegou no colo. Seus olhos brilharam. Também recordo de sua alegria quando, no meu primeiro dia de vida, eu disse a palavra "mamãe". O que? Acha que estou mentindo? Eu juro que não!
Mas verdade seja dita: não posso reclamar dos meus primeiros dois anos. Comidinhas na hora certa e roupinhas trocadas. Ela me limpava e me dava mamadeira sem eu nem chorar. Uma vida de princesa. O que mais eu poderia desejar?
Tudo mudou logo após eu completar três anos. Era dezembro. Daí a minha bronca com o Natal. Enfeites, luzes. Até achei bonito, sabe? Mas esse foi o início dos meus dias tristes.
—Juju, eu acho que daqui a alguns dias sua irmãzinha chega – confidenciou-me mamãe.
Ela estava visivelmente empolgada. E eu sem saber o que pensar. Fui me acostumando com a ideia e seguindo com a vida normalmente até o fatídico dia chegar. Mamãe passou quase uma noite inteira fora de casa e voltou com a bebê em seu colo. Seus olhos brilhavam pela pequena da mesma forma ou até mais do que naquela primeira vez que cruzamos nossos olhares. Sabe o que é o pior? Eu juro ter ouvido minha irmã falar "eu te amo, mamãe". E vocês me achando exagerada! Ela falou "eu te amo" logo no primeiro dia!
Resultado? Fui deixada de lado. Meses sem ver o sorriso de mamãe. Ela praticamente me abandonou em seu quarto enquanto a outra roubava o meu lugar. Eu aproveitava esse longo tempo livre para ler os livros de sua estante. Daí o meu vocabulário um tanto refinado para minha idade. Mergulhei na leitura. E na tristeza. Fui ficando triste, mais triste, até não ter mais forças nem pra falar "mamãe". Achei que essa fase jamais passaria.
Mas nas últimas semanas, para minha alegria, ela até tem brincado comigo de novo. Comigo e com minha irmã, fazer o quê? Ela trocou minhas pilhas e eu voltei a falar "mamãe". Notei o quanto ela cresceu. Mamãe era uma menina bem grande para os seus doze anos de idade. Sou suspeita, mas é uma criança linda!
— Vocês são as duas bonecas que mais amo no mundo todo!
Fiquei feliz. Senti-me amada novamente. E a outra, apesar do nosso atrito inicial, acabou nem sendo tão chata quanto parecia.
Mas, enfim. Estou angustiada de novo. É natal novamente e dessa vez não tenho certeza de qual brinquedo ela ganhará. Ouvi vovô e vovó cochichando entre eles que um tal Papai Noel dará um celular para mamãe. Não sei o que é um celular, mas não pode ser pior que uma outra boneca. Odiaria ser deixada de lado novamente.
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Eu não gosto de Natal
Short StoryAcabei de ver mamãe, vovó e vovô colocando enfeites por toda a casa e montando uma árvore cheia de luzes piscantes. Acho que é o Natal chegando novamente. Eu não gosto de Natal. 2º colocado no concurso de contos natalinos do canal Ficçomos https://w...