Love Manifesto

Tóxicos

O vôo foi rápido, decepcionadamente rápido.

Todos os passageiros se levantaram de suas poltronas em direção aos corredores, queria ter essa pressa para chegar ao meu destino.

Pouco a pouco poltronas eram desocupadas e as filas iam diminuindo, até que não havia ninguém no avião além de mim e funcionários da companhia aérea. Uma aeromoça me encarava com um olhar apressado de quem precisava deixar a cabine logo, respirei fundo, peguei minhas coisas e caminhei relaxada até a saída.

Toda vez que eu admirava o aeroporto de Nice sentia um nó se formar na minha garganta, uma hora ou outra eu teria que encarar a minha realidade, aquela que passei a vida toda tentando fugir.

Caminho desapressada para pegar minha mala; feito isso dirijo-me até a saída onde pego um táxi qualquer ruma à minha antiga casa.

No caminho o motorista me encara várias vezes e pouco antes de chegarmos ao nosso destino ele pergunta:

-Desculpe incomodar, mas por acaso você não é a mulher do comercial daquela marca de vestido cara?

-Benoist?

-É...isso.

-Sim, sou. -respondo desinteressada.

-Ah...você é ainda mais bonita pessoalmente.

-Obrigada. -Nunca achei que isso fosse um elogio mas tento me manter sociável.

Quando o carro para num sinal qualquer ele pega sua bolsa apressado e tira um papel e caneta.

-Você pode dar um autógrafo pra minha filha, ela é uma grande fã sua, sonha em ser modelo e você é a maior inspiração dela.

Sinceramente ainda não acredito que há meninas que sonham em ser modelo.
Mas o fato do pai dela pedir para eu autografar algo que será dado á essa garota me fez sentir bem.

-Sim, claro.

Ele me passou o papel e caneta.

-Como ela chama?

-Ah...desculpe, é Anna Mae.

-Certo.

Ele se virou e continuou dirigindo.

Querida, Anna Mae
Agradeço todo carinho.
Quando você receber essa pequena mensagem, por favor, abrace seu pai e diga o quanto você o ama e admira, não há nada mais importante do que a família em nossa vida, você tem a sorte de ter alguém que a ama muito ao seu lado, isso é para poucas pessoas, não deixe que nenhuma ambição acabe com isso.
Siga seus sonhos com moderação.
Elleonore Benoist.

Sou obrigada a dizer que sinto um pouco de inveja dessa garota.

Devolvo o papel ao motorista ele agradeçe sorridente.

Quando que chego ao meu destino um cheiro tóxico toma conta do meu nariz e dos meus pulmões.
Toda vez que olho para entrada de minha antiga casa sinto como se meus pulmões fosse rasgar.

E lá estava eu, em pé encarando a porta sem a menor vontade de o menor vontade de abri-la, o táxi dá partida atrás de mim e eu nem tenho a oportunidade de perguntar o nome do grande pai que acabei de conhecer.

Três batidas na porta já foram o suficiente para que o cheiro tóxico aumentasse e uma figura deplorável de olhos avermelhados e barriga extremamente saliente aparecesse na minha frente com cigarro qualquer.

-Senhorita Benoist, há quanto tempo não tenho a oportunidade de ver essa belo rostinho. - ela diz apertando minhas bochechas com sua unha encardida.

-Olá mãe.

-Entre, mas espero que não se importe se o seu fedor de seu sabonete caro desaparecer.

Ela fala sério pois toda vez que eu entro dentro dessa casa eu sinto como se vários corpos estivessem se decompondo em cada cômodo.

A cozinha estava lotada, um terço daquelas pessoas são os parentes mais próximos como alguns tios meu avô e vizinhos o resto eu não me lembro ou são bêbados que viram a porta aberta e entraram.

Havia pessoas bebendo,conversando e fumando,tudo ao mesmo tempo, umas sem se preocupar com os outras , sem a menor empatia entre si.

É visível que uma família tão desestruturada conseguiu deixar ferimentos profundos da minha alma, eu jamais serei uma pessoa normal, é impossível que alguém consiga ser "normal" vivendo numa situação como essa.

Espero que esse lado ruim de mim nunca afete outra pessoa.

Mas entre aquela confusão de vozes e cheiros uma mocinha me chamou atenção, ela parecia não saber o que fazia ali, tinha olhos aflitos e mãos trêmulas.

Tinha cabelos negros, pele extremamente branca, olhos escuros e um braço cheio de hematomas.

O um nó se formou instantaneamente na minha garganta e a única coisa que eu queria fazer era tirar aquela garota dali e a proteger de alguma forma.

-Elleonore Benoist, eleita pela revista sei lá o que como a mulher mais bonita do mundo pela septuagésima décima vez... o que faz aqui entre nós pobres mortais? -Meu tio diz ironicamente depois de muitas bebidas.

-Fico feliz em te ver tio...

Ele encara descaradamente para meus peitos cobertos com um moletom.

-Você ta cada vez mais crescida...

Ele me da nojo.
Me afasto prontamente.

Um homem bigodudo segura em meu ombro e diz:

-Então você é a superstar da família, eu já vi vários ensaios seus, já bati varias punhetas pra você também...principalmente aquelas fotos com o biquini azul...

Tento não me alterar enquanto tiro sua não de cima de mim e me afasto.

-Pai para! -Uma voz extremamente doce e suave acariciou meus tímpanos doloridos pela poluição sonora do lugar.

-JADE CALA A BOCA AGORA!

Aquela jovem morena se aproximou receosa, com a cabeça baixa.

-Pai, por favor deixe ela em paz.

-JADE SE VOCÊ FALAR ASSIM COMIGO DE NOVO VOCÊ VAI APANHAR AQUI NA FRENTE DE TODO MUNDO, ESTÁ ME OUVINDO?

-Sim senhor...

Resolvo me intrometer.

-Se você falar com ela dessa forma de novo ou vou chamar a polícia...

-E vai fazer o que, mostrar os peitos pros policiais? -ele começou a rir quase engasgando.

Todos começam a rir de mim, não posso dizer que essa é uma das poucas vezes que isso acontece porquê minha vida foi rodeada de humilhações como essas, mas também não posso dizer que me acostumei com elas.

Abaixo minha cabeça e saio da sala em silêncio.
Perto da porta principal uma jovem chora abafado.

-Jade não é? -Digo tentando puxar assunto.

-Sim. -Ela enxuga as lágrimas prontamente e se vira pra mim com um sorriso envergonhado.

Esse breve sorriso fez com que um sentimento bom tomasse conta de mim e tudo que eu queria naquele momento era levar aquela garota para um lugar seguro e garantir que ninguém nunca mais fizesse mal algum para ela.

Espero um dia conseguir.