Capítulo 1 sem título

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Ônibus quase cheio, rota das oito horas, caminho de idas e voltas, pessoas de revoltas. Eu, de novo, num banco à janela, com minha camisa favorita, o jeans velho e o tênis seminovo, minha mochila no assento ao lado, reflete a solidão e o desdém de mudá-la. Sou mais uma alma ambulante sem contraste qualquer em meio aos corpos sem nenhuma afinidade nos seus trajetos amplos de consultas, empregos, passeios, ou mera obrigação. Lá na frente, um desconhecido qualquer pede informação ao motorista, um jovem, como eu, entrega os trocados da passagem ao cobrador, de pé próximo a mim, a mulher loira da 2ª parada telefona ao marido –esquecera algo importante–, a criança do banco da frente chora e o coletivo segue, cheio de vida ou ao menos de pessoas que deveriam tê-la com prazer. Nesse aglomerado de mundos, não há conversa certa, somos parte de um todo que em nada se assemelha, exceto na mísera rotina de circular por pontos quaisquer em busca de se firmar, seja certo, seja errado. Praças, esquinas, lojas, tudo se funde em meio à cidade que parece sem cor, são o cenário da monotonia de quem interpreta tudo com o próprio vazio. O livro na mochila me acompanha quando o simpático velhinho da 4ª parada não aparece, hoje estou só, nos capítulos finais do clichê de um romance já lido e relido. Semáforos, faixas e placas quaisquer seguidos, chega a parada daquele ponto, o mesmo de todos os dias, em mais uma das avenidas sem vida. Ela está ali, a moça da bolsa vermelha, todos os dias ali sentada, olhando o mesmo trânsito, sempre segue sua rota depois, enquanto meu trajeto segue em frente, deixando-a para trás. Hoje, ambos com livros iguais, os olhares se cruzam por segundos e sorrisos aparecem em meio à coincidência, encaro meu exemplar, a timidez encurtando o momento mais uma vez e deixando-a para trás novamente, ouço as portas se fecharem, enquanto pessoas desconhecidas procuram lugar vazio no primeiro –ou quem sabe qual– ônibus de sua manhã, luto com a vontade de mudar tudo, seguir outro caminho ao menos por um dia, mas já é tarde. O tédio de mais um dia volta a consumir. Mas algo se destaca em meio à nova leva de passageiros vazios; a bolsa vermelha que parece trazer um colorido especial ao mundo. Sentada ao meu lado, um "oi" e um sorriso parecem alegrar até o passageiro mais triste. Ali uma rota havia sido mudada, quem sabe, até as duas, mas tudo foi mudado por um simples despertar.

Bom dia, mundo. É hora de enfrentar a realidade.

Entre rodas e rotasOnde histórias criam vida. Descubra agora