Ultima dose

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          Recentemente fatos cotidianos me levaram a questionar se o gosto amargo que eu senti na boca após ingerir uma bomba de comprimidos foi o mesmo que alguém sentiu quando caminhou lentamente para uma câmera de gás durante a segunda guerra mundial, quer dizer, eu não tinha certeza de onde gostaria de chegar com aquele ato tolo e desesperado que me daria uma passagem direta para o que muitos chamam de fim, mas todas aquelas almas destinadas ao incerto ao menos tinham noção de para onde estavam indo?

          É muito curiosa a sensação que se tem quando a noção foi perdida por consequência de alguns manipulados de farmácia, você perde tudo que incomodou durante todo o tempo e tem certeza de que era isso que queria, mas ao mesmo tempo você fica ajoelhado em um cantinho, de dedos cruzados, rezando por minutos a mais naquilo. E quem andou por aqueles corredores? Quis mais da angústia de estar chegando ao fim ou nem teve tempo de pensar sobre isso?

          Suicídio não é exatamente como muitos gostam de pensar, não é o fim do desconforto, nem um chute no balde ou uma forma de escapar. O último suspiro é muito mais como o último gole de um café sem açúcar, no fim das contas, você sempre quer voltar para uma outra xícara, quem sabe com um pouco de adoçante na próxima.

          Confesso que hoje em dia me considero um pouco mais feliz, mais do que todos que caminharam por longos corredores, mais do que quem terminou o café e nunca mais voltou para tomar outro. Por sorte, agora aprendi a apreciar o café amargo, e para quem ainda não aprendeu e tá pensando em tomar tudo de uma vez pra poder logo levantar e ir embora: as vezes só é preciso deixar a colher tilintar algumas vezes na porcelana e, quase sempre, alguém vai aparecer com um pacotinho de adoçante. Tudo bem, as vezes naquele exato lugar pode ser que não exista mais nada com sacarose, mas você já se perguntou quanto doce dá para encontrar nesse mundo todo?

          Logicamente, não é simples o esforço, mas reafirmo que é necessário. Depois de infamemente decidir deixar o café pra lá e alguém me arrastar de volta para outra dose, tentei ser melhor, e percebi que ser melhor é tão subjetivo quanto se perguntar qual cor é mais colorida. Ainda assim, redescobri como me amar, passei a datilografar e me matriculei na academia, não que eu tenha ido, mas percebi que além dos meus atos minhas intenções também deveriam ser positivas.

          No fim de minhas contas, percebi que quase nunca o ser humano é passível de acordar cedo no domingo e observar o pequeno raio de sol que esvai pela esporádica abertura da cortina, mas digo que a vida é exatamente como aquele pequeno feixe de luz, simplesmente linda, e nem todos acordam para saber disso. No fim dos extensos corredores que levavam até câmeras de gás não havia luz alguma que pudesse pelo menos por mais algum momento iluminar quem quer que estivesse a caminhar, mas lembre, que mesmo que hoje chova na sua janela, qualquer dia desses o tempo vai melhorar.

Coffe shotsWhere stories live. Discover now