Esses Olhos Amarelos

64 7 0
                                    

Retirou os fones de ouvido após chegar à entrada da floresta, encerrando a trilha sonora dos clássicos da década de oitenta. Olhou para a mata, que era sim bem fechada, mas não parecia nada arisca como haviam lhe contado na cidade. Próximo ao portão tinha uma placa bastante danificada dizendo BEM-VIND À FL REST YERO'AIS, lar de belos anima s. O tempo e falta de manutenção cobraram seu preço em ferrugem e letras.

Apreciou por um tempo o barulho do riacho que ficava a alguns metros à frente, junto com a brisa que parecia fluir do interior da floresta também. Um ótimo dia para fazer uma trilha em um lugar novo. A quinta do mês, ou talvez fosse a sexta. Já tinha perdido a conta. Depois de dois anos haveria finalmente ido em todas no condado.

Eram seis manhã, e fazia poucos minutos que o sol havia se erguido no horizonte, mas não podia perder tempo, precisava chegar nos morros ao centro da floresta antes de anoitecer, sem perder a bela paisagem no caminho, apesar do mapa extremamente simples que conseguiu na lanchonete, um dia antes.

Dali a vista já era incrível, então aproveitou para fotografar aquele quadro vivo. Haviam pássaros por toda parte, de várias cores, tamanhos e cantos. Respirando fundo conseguia sentir o cheiro de terra selvagem, a sensação de um lugar intocado, pelo menos, o máximo possível. Algumas pessoas da cidade lhe alertaram, dizendo que era meio perigoso, principalmente à noite, mas não ligou muito, já que a noite já pretendia está deitada olhando para o céu estrelado. Outras já a encorajavam com um sorriso no rosto dizendo "você vai adorar, é lindo!", "você vai tirar fotos incríveis, talvez até a única raposa-de-olho-amarelo que mora lá".

Tirou mais algumas fotos dos pássaros e de alguns insetos enquanto caminhava. O terreno era complicado de se andar, mas nada que um pouco de esforço não resolvesse. Andou por uns bons minutos sem se preocupar até finalmente entender o que pessoas queriam dizer.

De longe conseguiu ver a raposa solitária, a única naquele lugar, e ela era linda. Era pequena e tinha uma pelagem em um tom vermelho claro na ponta de sua cauda, que escurecia até chegar no focinho. Mas o que realmente chamava a atenção eram aqueles olhos amarelos que estavam quase brilhando. Parecia uma mistura de ouro com cristal.

— Eu realmente preciso de uma foto sua, garota. Vai ser a capa do meu livro!

Como se tivesse notado as intenções, não deixou a timidez de lado, e saiu correndo como se não houvesse amanhã. De certa forma, ela é uma espécie em extinção, realmente pode não haver amanhã.

O animal era bem rápido. Toda vez que finalmente alcançada, antes que mirasse a câmera, lá se ia ela novamente. Mas aquela beleza era estonteante e o suficiente para não desistir. Quais seriam as chances de achar outra criatura como essa nas próximas trilhas? Não poderia arriscar.

Depois de um tempo de perseguição, a raposa enfim decidiu parar, acima de uma elevação, banhada por uma luz prateada. Talvez estivesse cansada. Aqueles lindos olhos amarelos ficaram encarando até que notasse que a noite já havia chegado, e que a aquela luz prateada era a luz da lua.

— Já são dez da noite? Como é possível? – o choque ao olhar o relógio era degradante..

— Bem, as pessoas perdem a noção do tempo enquanto estão se divertindo aqui. – A raposa falou pausadamente.

A garganta secou em um instante. A raposa acabara de falar. Era coisa da sua mente? Havia andado por tanto tempo que estava enlouquecendo. A raposa tinha acabado de falar na sua língua. Respirou fundo, e sentiu um odor estranho, parecia podre.

— Vocês humanos sempre pensam demais, mas nunca na hora certa.

Um vento soprou forte, levantando e carregando diversas folhas que estavam no chão. A raposa havia se erguido, ficando duas patas. Seu corpo começou a sofrer pequenos espasmos, enquanto o corpo ficava cada vez mais ereto. Os espasmos aumentaram, criando movimento violentos enquanto o pelo regredia para dentro da pele que esticava e sangrava um líquido escuro e borbulhante. As garras cresceram abruptamente e um grito dantesco varreu mais folhas

Não havia mais uma raposa, havia apenas uma pequena garota de pé, olhando fixamente, sem piscar, com um corpo pálido e cabelo em tons de vermelho-sangue. As veias escuras saltavam do corpo lívido, e de alguns lugares aquele líquido ainda escorria, como se fossem feridas abertas. A única coisa que parecia ter vida, era também o que mais dava arrepios. Os olhos amarelos que pareciam ler a alma. Estavam chamando, convidando e ao mesmo tempo empurrando de volta.

— Eles te falaram sobre uma raposa? A cada vez eles inventam uma coisa diferente. Hihi. – A garota riu levianamente.

— O-o-o-o quê? – uma conversa com uma alucinação era o melhor para encerrar o dia.

— Finalmente decidiu conversar! É meio solitário aqui entre as oferendas, sabia? É sempre bom ter um pouco de papo antes do jantar.

A garotinha abriu um sorriso largo, tão largo que deveria caber uma centena daqueles dentes pontiagudos como de um tubarão.

— O-o-o-ferenda? – gaguejou enquanto dava pequenos passos para trás.

— É difícil explicar. Os moradores da cidade costumam me chamar de demônio. Ou entidade. Às vezes alguns me chama até de deusa. Você pode escolher, por enquanto – a voz havia se multiplicado, se tornando um coro infernal.

— SOCORRO! ALGUÉM! POR FAVOR! – Sua mão tremia tentando achar o celular, que parecia não estar em nenhum bolso.

— Ninguém tem coragem de vim aqui, fora minhas preciosas oferendas...

Com os olhos lacrimejados, correu com tudo para o lado contrário, se cortando em galhos, tropeçando em pedras, e quase torcendo o pé. Seu coração quase explodiu ao se deparar com a garota novamente a sua frente. Quase cem metros de onde estava a pouco tempo atrás.

Podia ouvir o som do riacho, que agora parecia um choro desesperado. O mesmo que começou a sair de sua garganta nos intervalos entre os soluços.

Iria morrer ali mesmo. Essa era sua certeza ao ver a garota se erguendo para o alto usando coisas que pareciam uma mistura entre tentáculos de um polvo e patas de aranhas. Uma gosma escorria de sua boca que ainda mantinha o sorriso infernal. Seu estômago embrulhou sentir mais do odor de antes, e vê a fonte abaixo da garota: cadáveres. Aos montes, junto com ossos humanos. Vomitou na própria roupa enquanto caía de joelhos

Um tentáculo a envolveu pela cintura, a erguendo alguns metros de altura, após isso, mais quatro daquelas coisas envolveram cada um dos seus membros.

Seu grito ecoou por toda floresta quando seus braços e pernas foram esmagados e arrancados, cobrindo a grama e o monte de cadáveres de sangue fresco. Mas algo não deixava a doce paz da morte chegar. Continuava sentindo dor excruciante, acordada para ver a entidade engolindo uma de suas pernas.

Estava morrendo e continuava olhando para aqueles olhos amarelos.

— Esses... olhos... amarelos...

Em um último ato, sua cabeça foi arrancada.

Esses Olhos AmarelosOnde histórias criam vida. Descubra agora