Capítulo 4

57 3 0
                                    


GUSTAVO NARRANDO

Ainda estava me acostumando com aquela menina ao lado do meu quarto. Minha prima. Ah, valeu. Até parece que ela seria de repente da minha família por ter algum tipo de laço sanguíneo comigo. Aprendi desde muito jovem que sangue não quer dizer muita coisa.
Meu pai foi a pior pessoa que já conheci, e infelizmente, foi ele que me ajudou a vir ao mundo. Tinha o sangue daquele verme nas veias e não poderia fazer nada quanto a isso. De fato, me dava ânsia toda vez que ouvia meu sobrenome e lembrava do sujeito.
Quando Cecília me falou da morte do namorado, algo em mim doeu. Ela parecia sofrer tanto com a morte do namorado... um luto. Luto esse que nunca vivi com a morte do meu pai e, querendo ou não, me perseguia dia e noite. Quando o velho faleceu só pude ficar grato e alegre. Não dava a mínima por ele ser o meu pai. Mas a aparente frieza que senti quando ele faleceu está me perseguindo vez ou outra, como se eu fosse uma pessoa ruim por não ter ficado triste com o falecimento dele.
Por isso o luto, a tristeza, são coisas que mexem comigo.
Além disso, porra, que olhos eram aqueles daquela garota?
Eu simplesmente não sei explicar.
De um azul tão triste... como um céu nublado.
Tão cinzento.
Tristes mas bonitos em sua tristeza.
Meu celular treme ao lado da cama e vou ver quem é.
"Gus, tá podendo falar, mô?"
Reviro os olhos.
Óbvio que é mensagem da Luciana.
Meu Deus, só começamos a ficar porque eu tava muito bêbado pra entender o que tava acontecendo e ela me persegue desde então, me chamando de mô e isso e aquilo.
Eu a ignoro na maior parte do tempo, só dou um pouco de atenção quando preciso satisfazer as necessidades e só.
Nossa, sou um lixo de homem mesmo. Culpa do meu pai que nunca se deu ao trabalho de me ensinar o que é ser homem de verdade, apenas aproveito o que as pessoas têm a me oferecer depois as descarto como um sapato velho.
Enquanto Luciana continuasse gostosa com seu top e shortinho nos passeios da turma, eu continuaria fingindo pra Deus e o mundo que a voz dela não me irrita e que ela tem algum cérebro que não tenha sido derretido pelo uso da chapinha.
Quando pego o celular pra responder o recado com meu típico estilo passivo agressivo, ouço uma espécie de grito do outro lado da parede.
Muito fraco, quase imperceptível.
Colo meu ouvido a parede.
"Por favor, não. Não..."
Meu Deus.
A garota não veio pra cá tem nem um dia e já tava arrumando confusão?
E agora?
Falava com ela? Batia na porta?
De repente ouço algo cair no chão.
Puta que pariu.
Levanto - puto - da cama e vou ver o que essa menina arrumou dessa vez.
Bato na porta uma.
Duas.
Três vezes.
E na quarta vez já saio entrando mesmo.
"Cecília?! Cecília!"
A maluca estava caída no chão embolada com a coberta e chorando horrores. Estava suada e parecia ainda estar dormindo. Me aproximei e seus olhos estavam tremendo, mas fechados.
Agacho e a toco.
Ela acorda.
"AAH!"
Coloco a mão na boca dela.
"Fica quieta, garota. Quer acordar a vizinhança? Você teve um pesadelo, só isso."
"E por que você veio aqui? Te chamei por acaso?"
Mas era uma abusada mesmo. Quando tento ser uma boa pessoa é esse o tratamento que tenho, mas isso é bom pra eu aprender.
"Ah, é assim então? Então da próxima vez que tiver tendo pesadelo com seu namoradinho morto, não venha me pedir pra..."
SLAP.
Levei um tapão no meio da cara e os olhos dela estavam brilhantes pelas lágrimas, e pela fúria. O rosto estava vermelho de ódio.
Ela se levantou.
"Nunca mais refira-se a Lucas dessa forma. Se fizer isso de novo, juro que te mato com as próprias mãos e enquanto estiver dormindo"
Eu tinha merda na cabeça.
Era a única explicação.
Como eu pude falar aquilo? Merecia muito mais do que um tapa.
Mas agora tava tarde demais pra recuar, tinha que manter a pose.
"Beleza então, cara"
E dei o sorriso mais tranquilo que pude.
Por dentro estava destruído. Que tipo de monstro faz essas coisas? Caralho, eu era um merda mesmo.
Um merda.
Um. Merda.
Levantei e fui para meu quarto, sem antes dar uma boa olhada nela de camisola, deixando a mostra o corpo magro porém curvilíneo. Era uma camisola de ursinho, mas o que eu queria fazer quando a vi de camisola estava longe de ser inocente e casto o suficiente para ser testemunhado por aquele ursinho.
Droga.
Eu sou um merda.
Ela jamais poderia ser minha, afinal, somos "primos". E ela tem um gênio terrível.
E, última coisa mas não menos importante, ela amava outro cara.
Que nem vivo estava.
Ótimo.
Simplesmente ótimo.
Voltei para o meu quarto e sentei no chão depois de fechar a porta.
Peguei o celular e vi mais 8 mensagens de Luciana. Que mulher insuportável... ah, se eu não tivesse muito tesão naquela mulher eu jamais continuaria aturando essa chatice.
Mandei uma mensagem perguntando se ela tava sozinha em casa, e como a resposta foi afirmativa (sempre era, os pais dela trabalhavam num hospital e nunca estavam em casa à noite), peguei meu casaco e saí.
Precisava esquecer um pouco daquela estranha na minha casa e do merda que eu fui.

Amor,Onde histórias criam vida. Descubra agora