#01 - Capítulo Único

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Meus olhos estavam dormentes.

Juntamente ao resto do meu corpo.

Sentia claramente o fino tecido do lençol cobrindo meu tórax desnudo, o suor gelado que deslizava tranquilamente pela curva do meu pescoço. Virei o rosto um pouco de lado. Pelo pouco que conseguia abrir os olhos, podia ver: eram apenas 03:31 da madrugada.

Apesar de dormente, eu sentia como se tivesse levado uma puta surra de alguém, minha cabeça estava doendo mais do que o normal.

— Argh… — me ergui com dificuldade, minhas pernas formigavam. Estiquei o braço para alcançar o celular, desbloqueando a tela e dando uma olhada se havia alguma nova mensagem. Estalei a língua depois de alguma segundos, jogando violentamente o aparelho inútil pra longe da minha vista. Minha cabeça latejava muito.

Escorreguei minhas mãos, passando-as pelo meu rosto impacientemente, tirando o lençol de cima de mim e tentando por os pés no chão.

— Erick, querido? Tudo bem por aí? — forcei meu maxilar pra não mandar aquela velha intrometida ir pros infernos, respirando fundo meio trêmulo. — ...Erick?

— Volte a dormir, dona Berta. — tentei pedir sem ser muito grosso, provavelmente falhando miseravelmente. — Está tudo bem, foi só um… pesadelo.

Engraçado que todo o meu mundo naquele momento poderia ser classificado como pesadelo, mas ela não precisava saber disso.

Ninguém precisava.

A mais ou menos pouco tempo, eu havia sofrido um infeliz acidente. Parando por aí seria ótimo, se não fosse pelo fato de ter envolvido a maior parte dos meus amigos.

Por que o inútil aleijado teve de ser o único a sobreviver?

Eu não queria pensar nessas coisas, afinal de contas eu tinha uma vida e pessoas ao meu redor — bem, dessa parte podemos cortar meus amigos mais íntimos e meus parentes mais próximos que se envolveram em acidentes até bem parecidos e em uma curta distância de tempo. —, fora que eu tinha minha faculdade e meu apartamento.

Resolvi que daria um passeio. Porque não? Eu não tinha mesmo nada a perder, a não ser meu celular que eu estava com 0% de vontade de levar. Puxei a cadeira de rodas do lado da cabeceira e com um pequeno esforço, pulei na mesma, me endireitando calmamente. A sorte era que eu já estava com a calça jeans preta de mais cedo, não havia tomado coragem pra tomar banho e apenas me deitei com ela.

Aqueles whiskys não foram uma boa ideia…

Desdobrei uma camiseta cinza qualquer e a vesti sem cerimônias, agarrado um casaco fechado, pegando as chaves do apartamento e me retirando em seguida. Pra minha sorte, aquela velha não estava mais lá pra me encher o juízo.

*

Após algum tempo rodando vagarosamente pelas avenidas de São Paulo, eu nem ligava mais pra onde eu estava. Sinceramente, eu não poderia me importar menos.

Foi isso que pensei quando vi uma criatura sentada na beirada de uma das Pontes Estaiadas. Arregalei os olhos, acordando pra vida.

— EI! — berrei com as mãos perto da boca pra fazer eco. Sem dúvida aquela pessoa não iria me ouvir de onde ela estava, eu era idiota ou o quê?

Sem pensar muito, pus a fazer força nos braços, movimentando as rodas como se a minha vida dependesse disso, e não a de outra pessoa bem acima da minha cabeça.

Depois de um tempo, eu rezava pra quem quer que fosse pra que aquela criatura ainda estivesse lá quando eu chegasse. Nem sabia que se podia subir mais ainda naquela porcaria, mas lá estávamos nós: dois malucos no topo do Mirante.
Enquanto eu ofegava feito um desgraçado, a pessoa que acabei descobrindo ser um cara, não movia um músculo, apenas alí, em pé com os braços pra trás. Como se apenas observasse a linda vista da São Paulo adormecida e não fosse nem um pouco perigoso ficar daquele jeito naquela merda de altura.

Anjo da GuardaOnde histórias criam vida. Descubra agora