Epílogo

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Gritos, sim muitos gritos, cantorias ensaiadas que são elaboradas apenas para rimarem com campeão, vencedor, vingador; calor humano, suores compartilhados e ninguém parece se incomodar, esbarrões que são perdoados sem precisar ouvir "desculpas" ou quem sabe um "foi mal aí", uma ou outra pisada nos pés que passam em branco, uma bebida derramada ali outra nova chegando aqui, palavrões sendo ditos como quem diz "Olá" e lágrimas descendo nos rostos de muitos.

Já ouvi de meu tio, quando se entra em um estádio não tem regras e nem conservadorismos, todos se veem como amigos, vibram abraçados, choram juntos e clamam lado a lado. A multidão é grande e a cada lado uma cor representa seu time, a torcida se esforça em ser a maior e a mais bonita, lá no campo se passa um clássico, futebol americano, confesso não ser muito familiarizada, claro que não é o primeiro que vejo, mas ainda assim não entendo nada sobre o jogo.

Mas a pergunta que não se cala ate mesmo em meu peito, qual seria o motivo de eu estar aqui já que a essa altura se percebe o quão perdida e tão observadora estou, ao invés de estar pulando e gritando os nomes dos jogadores e lhes dando alguma ordem – mesmo sabendo que eles não iriam ouvir. – mas a pergunta logo encontra sua resposta quando o vejo, lindo, viril, suado, correndo numa velocidade invejável, ele parecia voar sobre o campo e os meus olhos o seguiam.

Tudo nele chamava minha atenção, parecia que tinha o poder de controlar todos os meus sentidos, mesmo de longe e eu com meus 3 graus de miopia não o tirava de vista. Os anos não o afetou em nada, continuava belo e forte, gritando sua juventude e sua força de vontade em alcançar seus objetivos.

Pelo capacete não dava para ver mas minhas mãos formigavam só de imaginar como está o seu cabelo molhado, sentir de novo a textura dos fios em meus dedos, o uniforme colado desenhava seu corpo e eu ainda tinha a lembrança de sua pele, seus músculos contraídos, a forma como ele ficava exposto no sol e a luz da lua, seu corpo perfeitamente proporcional. Proporcional para foder com meu juízo.

No alto do estádio tinha uma cabine em que o narrador berrava a todo vapor enquanto narrava cada detalhe do jogo levando todos a loucura. Ele gritava o nome dele e eu escutava de uma forma diferente, cada letra se ecoava para dentro de mim milimetricamente, elas pareciam pairar em meu subconsciente, dizer ou ouvi-lo não se remetia ao grande jogador de futebol americano mas sim ao meu Dante.

- Estamos a 14 segundos do fim do jogo , e o time da casa vai perdendo o jogo por 24 a 20 e estão a 40 jardas do campo de ataque. - Ele diz rápido e com uma sintonia impecável, logo chama seu colega para comentar sobre os jogadores. - Este está sendo um grande clássico André, com destaque para o time Dallas Cowboys que mesmo perdendo, hoje irá se despedir de um de seus melhores jogadores, Dante, que conquistou muito durante sua carreira até chegar aqui.

- Soube que ele irá sair pela idade Marcos mas ele parece descordar de tal comentário, está correndo o campo como se ainda tivesse 20 anos.

Eles riem e começam a comentar de mais outros dois jogadores que também marcam seu último jogo hoje, mas logo ele volta a narrar.

- Dallas vão ter apenas uma jogada pra
tentar o touchdown , Watson recebe o snap e procura seus recebedores e ele lança a bola ahhhhhh. - O narrador começa a gritar e falar mais rápido.

Não estou entendendo quase nada mas pelo pouco que ele já me explicou eu sei que está tendo uma reviravolta.

- Dante recebe na linha de 20 jardas e vai quebrando tackles na defesa... - Por um momento todos vibram e gritam seu nome, todo o estádio em uníssono clamavam por Dante, como se eu visse em câmera lenta todos loucos na arquibancadas e ele correndo precisamente, sem se cansar, sem cair, meus olhos se enchem d'água e me arrepio.

- Na linha de 10 , 5 ahhhhhh inacreditavel Touchdown pro time da casa e eles vencem em uma virada histórica. - Todos se descontrolam (tanto no campo quanto aqui) todos os jogadores se amontoam e correm para se abraçar loucamente, um moço a minha esquerda me abraça e me tira do chão, acabo rindo com a real ideia de proximidade que um jogo traz.

- Em seu ultimo jogo Dante faz uma recepção incrivel que faz com que o time vença o campeonato. - Ele grita e eu não contenho minha alegria, fecho os olhos e sorrio imaginando a alegria que está o consumindo agora, ele passou por tantas coisas até chegar aqui, até realizar o seu sonho.

- Eles estão trazendo a taçaaaaa. - O narrador que já está rouco grita descontrolado mais uma vez e vejo trazerem um troféu gigante, reluzente, uma marca de campeão que com certeza ficará para a história. - O time está se preparando para levantar, Dante no colo de um de seus colegas toma posse.

Dante levantou o troféu, está sem capacete e eu pude ver seu rosto, ele não sabia se ria ou se chorava, a emoção o tomava e até nisso nossa conexão estava de acordo pois minhas reações não estavam diferentes. Ele girava com ela mostrando a todos os lados da torcida, até que por um momento fixou seu olhar a minha direção.

Não sei ao certo se foi para mim, não sei se realmente estava me vendo mas meus olhos não se desviavam nem por um segundo, seu rosto confuso só fez meu coração acelerar, as borboletas sobrevoarem meu estômago e minha mente se tropeçar em todos os pensamentos e conclusões que eu poderia ter nesse momento.

Ele abaixou um pouco a sua "conquista" e sorriu. Não um sorriso de campeão, foi pleno e doce, sorri de volta e senti um turbilhão de sentimentos me tomarem por completa, flashs e mais flashs de tudo me atingiram de uma vez e acabei me sentando na cadeira.

Balancei a cabeça na tentativa de me recompor mas não consegui, a lembrança de tudo ainda mexia com cada átomo do meu corpo. Por um momento eu estava aqui vendo o último jogo de Dante e em poucos instantes eu voltei 17 anos atrás, naquela pequena biblioteca que havia próximo a minha casa onde eu nem fazia ideia do que me aconteceria, do que eu sentiria após aquela tarde em que passei horas conversando com um estranho, alto, simpático e revoltantemente irresistível.

DanteOnde histórias criam vida. Descubra agora