O Rapaz

16 2 0
                                    

Andando pela escola, de cabeça erguida e de livros no braço, havia um jovem rapaz.

Ele nunca chegava atrasado, estudava sempre para os testes, tinha boas notas e era gozado. Porquê? Por isso mesmo, por ser um rapaz perfeito na escola, por ser um "nerd".

Ele não tinha quaisquer amigos, mas também não precisava deles para nada. Ele sentia-se bem sozinho, só precisava do seu caderno de desenhos, um lápis e uns phones, e eram momentos bem passados.

Ao longo dos anos, o bullying só piorou, mas o rapaz ignorou todas as agressões psicológicas, e muitas vezes físicas, e fingia ter uma vida boa.

Mas o problema não era só na escola. Oh não, em casa era muito pior. A sua mãe tinha falecido quando o rapaz era ainda uma criança, e o seu pai nunca ultrapassou a sua perda. Então, ele decidiu afogar as suas mágoas ao beber, beber, e beber. Resultado: Também ele morrera a uma idade jovem, e o rapaz fora enviado para casa dos seus novos pais.

Chamar aos seus pais adotivos de "maus" era pouco. Eles eram monstros. Espancavam o rapaz quando ele fazia algo mal ou tinha uma nota insatisfatória, trancavam-no no seu quarto assim que ele chegava a casa, só o deixando sair para comer e fazer as tarefas, tratavam-no como um escravo.

O rapaz comparava-se muitas vezes a Cinderela, ambos presos pelos pais adotivos e abusados, nada mais do que escravos. Mas havia uma pequena, ou grande, diferença entre eles. Nenhum baile, ou fada madrinha, ou príncipe/princesa o iria salvar, porque ele não era belo, porque preferia estudar ou desenhar a conhecer pessoas novas, porque o seu coração tivera gelado.

Ao fim de anos neste estilo de vida, o rapaz habituou-se a ser assim. Apesar disso, em certos dias, o rapaz ia-se abaixo, e perguntava-se como seria se a sua vida lhe fosse retirada. Nesses dias, cada vez mais frequentes, o rapaz pegava numa lâmina e submergia-se na dor de carne a ser cortada, no líquido vermelho que lhe escorria pelo braço ou pescoço, no alívio que sentia ao ver que podia morrer facilmente. No entanto, cada vez que saía do seu quarto, usava o cachecol da sua falecida mãe, e camisolas de manga comprida, para que ninguém soubesse que este rapaz era fraco, que tudo lhe afetava.

O rapaz não era estúpido, sabia que também era gozado pelo seu ar intimidante e cachecol lilás. Mas o que podia ele fazer? Essa era a única máscara que ele conhecia para prevenir a exposição da sua dor.

Porém, num dia fatídico, uma rapariga apareceu. Loura, de olhos azuis como o oceano, personalidade que iluminava qualquer coração negro e, acima de tudo, tratava o rapaz como... um amigo. Ela não era como os outros, ela percebia como o rapaz se sentia, só de lhe olhar nos olhos. Ao fim de algum tempo, o rapaz foi finalmente capaz de lhe mostrar o que escondia debaixo do seu cachecol, as suas cicatrizes mais íntimas e profundas. Ela mostrou apenas infelicidade ao ver o que ele tinha feito a si mesmo, mas perdoou-o, e foi aí he o rapaz se apercebeu que o bloco e gelo à volta do seu coração tinha derretido, ele poderia amar a vida outra vez.

Ao fim de dias a ganhar coragem para dizer aquelas simples palavras, o rapaz confrontou a rapariga. De flores na mão e cachecol levemente apertado, ele declarou-se. Certamente, o rapaz não esperava ouvir uma gargalhada, muito menos de ver a rapariga olhar para ele como se estivesse a olhar para um inseto. No final, ela só era "amiga" dele por causa de uma aposta que tinha acabado de ganhar, e achava que o rapaz era melhor morto.

E isso tudo leva-nos à ponte mais alta da zona, onde o rapaz estudava atentamente os girassóis que tinha comprado para a rapariga. No fundo, ele sabia que ela tinha razão, que todos tinham razão. Afinal, quem é que quereria alguém tão intimidante, tão reservado, tão... esquisito quanto aquele rapaz? Uma rajada de vento passou, e num instante as flores douradas voaram-lhe das mãos e caíram da ponte. Ele seguiu-as com o olhar e apercebeu-se o quão alto ele estava, e que se caísse, tudo estaria acabado. Sim, bastava dar um salto e o seu sofrimento acabaria, mais ninguém teria de lidar com aquele estranho rapaz. Com esse pensamento em mente, o rapaz subiu para cima do muro e segurou-se a um pilar. Só iria doer um bocado, depois ele seria livre como um pássaro. Ele inspirou fundo e tirou um pé do muro, pronto a saltar. As lágrimas escorriam-lhe pelas bochechas, mas ele ignorou-as, e, com um último suspiro, largou o pilar.

You've reached the end of published parts.

⏰ Last updated: Sep 25, 2017 ⏰

Add this story to your Library to get notified about new parts!

O Rapaz (wip?)Where stories live. Discover now