Aquilo era delicioso, o sentimento de liberdade, todo aquele sangue, todas aquelas pessoas mortas ao meu redor, me deixava excitado. Apenas uma caneta em minhas mãos. Admiro oque um objeto tão simples possa causar tanta destruição. Lembro-me de ter encarado aquele objeto por alguns segundos, como se fosse uma bela automática, satisfeito com o feito do seu trabalho. Olhei para os cantos e percebi que estava em minha escola, mais precisamente, em minha sala. O magnifico cheiro de sangue me fez olhar para os oito colegas que estavam no chão, espalhados pela sala, sujando todo o ambiente com seus sangues imundos, nunca tinha me sentido tão vivo como naquele momento.
Era dia 26 de julho de 2015, toca o alarme as 06:30 da manhã, o som enjoativo a qual tenho que escutar todos os dias me acorda. Abro meus olhos e observo o ambiente em minha volta, tento me levantar, mas o meu corpo se recusa a obedecer. Pego meu celular para ver se tem alguma mensagem. Uma de Amy, mandando-me um “bom dia” como sempre. Respondo da mesma forma e jogo o celular em minha cama.
Quando me levanto percebo que o quarto se encontra em pleno caos. Olho para a cortina com um olhar sonolento. Em sua fenda poderia se ver uma luz bruxuleante e intimidadora, dirijo-me a ela desviando de toda aquela bagunça, o chão gelado me ajuda a acordar. Quando a arrasto começo a ver cegamente o céu ensolarado e a minha vizinhança. A praça em frente a minha casa se via crianças brincando, os idosos fazendo as suas caminhadas matinais e os adultos passeando com seus cães.
Uma mulher que aparentava ter trinta anos me chamou a atenção, ela me encarava com um olhar de dúvida, estava sentada em um banco da praça, parecia estar sozinha. O celular em sua mão começa a tocar e retira toda sua atenção de mim, ela se levanta e vai embora. Fecho a cortina e me dirijo ao guarda roupa. Ao abri-lo pego uma camisa cinza com estampa do coelho monstruoso do filme Donnie Darko, junto com uma causa jeans preta. Pego meu tênis na ultima gaveta, eu tinha aquele tênis fazia anos, mesmo depois de muito tempo ele continuava com cara de novo. Fecho o guarda roupa e pego meu casaco que está em uma mesa cheia de livros. Todos aqueles livros me deram uma sensação de conforto, como se tudo que eu precisava estivesse logo ali ao meu alcance.Saiu do quarto e percebo algo de errado, pois não ouvia aquelas músicas antigas que a minha mãe tanto ouvia de manhã, a casa estava um completo silêncio. Ao chegar ao banheiro escovo os dentes e molho um pouco meu rosto. Deixo aquele sentimento refrescante durar por alguns segundos, poio minhas mãos a pia, olho meu reflexo pelo espelho e olho no fundo dos meus olhos e começo a sussurrar as palavras que meu avô me dizia quando eu era pequeno antes de dormir, “A vida é uma peça de teatro que não permite ensaios”. Por isso, cante, chore, dance, ria e viva intensamente;
antes que a cortina se feche e a peça termine sem aplausos. Essas palavras me davam força para prosseguir com o dia. Limpo o rosto com a toalha e saio do banheiro me sentindo mais confiante.Desço as escadas e começo a sentir o aroma penetrante das panquecas feitas pela minha mãe. Quando me encontro no ultimo degrau ela se vira e me olha com um sorriso tênue.
-Bom dia, Dean- disse minha mãe. O timbre de sua voz era preocupante, soube naquele momento que algo tinha realmente ocorrido.
–Bom dia, mãe. Respondo como se tudo estivesse em plena ordem. Começo a andar em direção à cozinha observando a quantidade de comida que se encontra a mesa.
Tudo aquilo tinha um significado. Toda vez que ocorria algo que deixasse minha mãe preocupada, ela começava a cozinhar em excesso. Sua noção de quantidade era retirada por completo, fazendo com que mais da metade das refeições que fazíamos eram dadas para os vizinhos ou para os cães que viviam na praça em frente a minha casa.
Morávamos na cidade de Newark, em uma casa muito velha. Sua beleza era de certo modo peculiar, com suas paredes antigas caindo aos pedaços e com seu ar de velhice, fazendo com que ficássemos preocupados em morar em uma casa que mais parecia um cenário de filme de terror. Cada degrau da escada fazia um som diferente, fazendo entoar uma bela canção de horror e desespero quando a utilizávamos.
Quando olhei para minha mãe novamente pude vê-la de costas apoiada na pia. Percebi que precisava fazer algo, então fui a sua direção. Quando cheguei perto, lhe dei um abraço bem forte.
-Aconteceu alguma coisa?- Pergunto- Ela se virou e olhou nos meus olhos, em seu rosto poderia notar que ela esteve chorando alguns minutos antes de eu ter descido.
-Infelizmente seu avô faleceu ontem, ele estava na estrada, um carro veio em sua direção, ele não conseguiu desviar. - Disse minha mãe limpando suas lagrimas.
De algum modo aquilo se recusava entrar em minha cabeça. Como poderia meu avô ter morrido. Não conseguia de nenhum modo compreender, como se minha mente estivesse criado um bloqueio, uma barreira invisível que defendiam as minhas boas emoções.
-A pessoa que veio em sua direção, também morreu?- Pergunto com uma voz seria.
-Não, esta internada no hospital regional, mas porque quer saber?- Pergunta minha mãe com duvida.
-Curiosidade apenas- Disse. – Estava indignado com tudo aquilo; precisava saber mais sobre o acidente, mas minha mãe não estava em condições para me falar mais sobre ele.
Meu avô morava sozinho, se mudou para uma casa apenas alguns quarteirões da minha, depois do falecimento de minha avó em 2010. Um grave acidente de carro a matou também quando voltava da casa dos meus tios na Filadélfia. Só soube da morte da minha avó depois de algumas semanas, pois os policias tiveram dificuldade em achar o seu corpo. O enterro foi algo difícil para toda a família, pois os policiais acharam seu corpo em pedaços. Descobriu que logo após a batida ela saiu do carro, caminhou sangrando gravemente por quilômetros, mas foi atropelada por um caminhão que iria parar para descansar, infelizmente ele não a viu. O caminhoneiro a esquartejou e jogou as partes separadamente em sua plantação de milho. Fico feliz que ele tenha sido burro o suficiente para ter feito isso tão perto do acidente de carro da minha avó.
Lembro-me da minha mãe chorando por dias, ver ela daquele jeito me machucava muito e a única coisa que poderia fazer para ajudá-la era ficar ao seu lado, mas sei que meu avô foi o que mais sofreu. Ele ficou sem sair de casa durante semanas, tivemos que ir lá todos os dias para fazer companhia.
Eu a abracei o mais forte que podia. Pude sentir suas lágrimas em meus ombros, eram quentes, cheias de dor e desespero, como se fosse um aviso me dizendo: ”não saia de perto de mim.” Pude perceber que ela precisava de mim. Precisava fazer algo a respeito.
-Espero que agora ele esteja em um lugar maravilhoso junto com a minha avó. – Digo em voz baixa.
-Disse alguma coisa, filho?- Pergunta minha mãe.
-Não. Vou subir um pouco, preciso digerir tudo isso. –Disse saindo da cozinha. Infelizmente tinha perdido meu apetite, começo a andar em direção às escadas em silêncio. Precisava de um tempo só para mim, precisava colocar a minha cabeça em ordem.
Subo devagar as escadas, ouvindo o som horrendo de cada degrau. Quando passei pelo corredor me lembrei de ter dito logo cedo àquelas palavras que meu avo sempre me dizia. Agora aquelas palavras se tornaram como um tesouro para mim, só nós sabíamos do seu poder e agora eu sou o único que sabe sobre ele.
Entrei em meu quarto e me deitei na cama. Naquele momento estava irritado comigo mesmo. Não estava triste ou simplesmente mal pelo oque aconteceu com ele, percebi que tinha me tornado impassível.
Pego o celular para me desculpar com Amy, por não ter ido à escola, mas vejo varias mensagens suas de preocupação.
-Onde você se meteu? Envolveu-se em alguma briga? Estou preocupada.
Envio uma mensagem respondendo-a de uma forma que ele não fique brava:
-Desculpe-me por não ter avisado antes, aconteceu alguns imprevistos. Se pudermos nos encontrar depois da aula para conversarmos.
Jogo o celular na cama e fecho os olhos. Começo a lembrar de tudo que tinha convivido com meu avô.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Solilóquio
General FictionA história do jovem Dean que busca encontrar o seu lugar através de livros junto com sua amiga Amy, mas as coisas mudam quando um novo mundo se abre para ele.