“Confesso, confesso e confesso. Desculpe, caro amigo diário, mas ultimamente só tenho a ti para recorrer em minhas confissões ...minhas estranhas confissões, meu estranho papo. Qualquer um acharia essa conversa meio geek, de burguesinho drogado. E reconheço que às vezes passo da cota do aceitável na cheirada de giz, mas se tenho um amante vampiro, não acho de verdade que o que vou descrever seja tão estranho.
Tire suas próprias conclusões, amigão.
Na real, eu estou mais escrevendo para na última página fazer um apanhado de tudo até então descrito e julgar por mim mesmo se o que se passa é verdade ou lorota de uma mente drogada, de jogador de RPG.
Fui ontem andar um pouco e beber, meus pais que me perdoem; sei que me “castigaram” pela descoberta dos baseados na minha gaveta me ordenando não sair, mas se não estão aqui pra impedir, sinto muito, não vou obedecer. Sempre fui porra louca e não é culpa minha se pedem para o motorista cumprir o papel de pai que vocês não esquentam de fazer, se mandando pra o tal congresso de arquitetura em Amsterdã. Claro que vou subordinar o Joel e me mandar pra a rua. E foi o que fiz, dando quinhentos reais para ser deixado de carro na Praça da Bandeira – o point rock da cidade. Queria ouvir um som mais reservado, mais underground e pra isso vesti um catsuit de látex preto, moldando meu corpo magro (ainda penso em fazer os testes para modelo fetichista no entanto não é sobre isso que preciso agora conversar), botas de salto agulha pretas como as luvas, ambas de vinil. Não abusei muito da maquiagem, apenas um batom preto e lápis de olho. Nem mexi muito nos cabelos – descolori a ponto de ficarem mais brancos que os da minha avó; estou com medo de mais uma tintura e virar uma versão bizarra de Lex Luthor.
E lá fomos Joel e eu, sem muita adversidade, até pela hora, passando da meia noite. Ele é um camarada amado, nunca esquecerei quando nas noites em que na ausência de meus pais em suas “atividades influentes e importantes” colocou-me pra dormir, quando tive medo dos trovões. Ele acredita que um dia tomarei rumo em minha vida; parece ser o único. E também é o único a dar-me força à carreira artística.
Não me é esforço nenhum dizer que ele facilmente assume mais postura de pai que os meus jamais sonharam um dia ter.
Estava decidido a não encontrar Hans, caro amigo. Sim, meu senhor imortal, o vampiro da Lapa, o tal que já expressei com tantas palavras por aqui como encantou-me com o charme sombrio, o temperamento europeu pouco amistoso. Seu pouco humor, rosto duro, queixo de cavalo. Não queria demonstrar estar tão em suas mãos como imagino. Ele disse que faria de mim sua criança da noite, seu bastardinho imortal. Ainda acha que não estou preparado – e na verdade nem eu acho, ainda quero aproveitar muito meu sangue quente correndo por meu corpinho, conhecer outros vampiros e viver várias aventuras.
Depois que passei a sair com Hans diminui minha frequência ao Clube de Cavalheiros da Lapa – vide puteiro de luxo. Existem outros clubes pela cidade, mas gosto mais desse. Tem vampiros mais devassos, mais educados, filosóficos e mais cavalheiros, no sentido literal da palavra. Entendem mais a necessidade de novidade, nosso torpor e tédio humano de jovens mortais que frequentamos aquele inferninho luxuoso só para viver a aventura de ser bebido por um monstro. Nada contra os garotos que se prostituem lá pra pagar as drogas ou até pra custear o tratamento de saúde de algum parente; longe de mim julgar, mas sinto cheiro de “moleque entediado” de longe – aqueles monstros idem – e a maioria esmagadora do clube da Lapa é constituído por idiotas como eu, que não se conformam só em viajar o mundo; ser apadrinhado por um morto-vivo é muito mais excitante que carros ou carreiras de pó.
Não fui impedido de frequentar clubes, apenas me sinto mais à vontade com Hans. Estranhamente me sinto ...satisfeito, com um cara de pelo menos trezentos anos de diferença de idade da minha. O mundo já não me surpreende tanto depois que passei a frequentar a sociedade vampírica.