Cavalo de Batalha

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Cavalo de Batalha


Minha história de vida se diferencia de muitas outras tantas que possam ser escritas. Desde muito cedo fui adepto de aventuras. A primeira ocorreu em 1971. Eu tinha 15 anos e junto com dois amigos já falecidos que haviam conhecido duas hippies na Galeria Malcon, partimos de Porto Alegre rumo ao Rio de Janeiro. Depois desta, confesso, nunca mais parei.

Em julho de 1987, fui morar no Rio de Janeiro, de onde saí em novembro de 1997. Durante o período em que lá morei, estive envolvido com várias atividades profissionais. Fui vendedor de jazigos no Cemitério Edifício, trabalhei na Previdência Funerária, Golden Cross, Amil, com material gráfico, guia Telex, títulos de clubes e na Marinha Mercante. Deve-se a esta última o motivo pelo qual saí de Porto Alegre.

Em 1984, fiz uma inscrição na Delegacia da Capitania dos Portos e tive a oportunidade de, após quatro meses e meio de escola, tornar-me marinheiro fluvial de máquinas. Fiquei navegando na Lagoa dos Patos, entre Porto Alegre e Rio Grande, e navegação interior, até 1986.

Quando cheguei ao Rio de Janeiro, tive de solicitar cambação da Carteira de Inscrição e Registro, CIR, fornecida pela Diretoria de Portos e Costas. Foi demorado e tive que sobreviver de outros meios até consegui-la em fevereiro de 1989. Nesse ínterim, vivi de vendas comissionadas, dando soco em ponta de facas, pois somente com a cara e a coragem, que o invisível sempre a meu lado sempre me deu, e assim fui para aquela cidade.

Foram diversas vezes diferentes situações de dificuldades, quase sempre refletidas pela falta de dinheiro, já que nessa nova cidade não havia parentes nem conhecidos, e tudo e todos eram novidades. Lembro-me que o dinheiro que recebia mal dava para pagar vaga em lugares horríveis, com muitas pessoas no mesmo quarto. Muitas vezes fiquei sem grana para custear a alimentação ou passagens de ônibus; também muitas foram as vezes em que a saudade apertou e fizeram-me chorar, as lembranças nunca me deixaram.

Em 1989, tive a primeira oportunidade de embarque no mar. Fui contratado pela Companhia Mansur, época em que vendia os guias Telex, e que havia conhecido uma franco-portuguesa, que trabalhava para o governo francês na área de Biologia e passeava pelo Rio de Janeiro. Lembro-me como se fosse hoje de nosso passeio no Jardim Botânico, onde ela me ensinava sobre algumas espécies, tudo tão gratificante que logo nos apaixonamos. Num final de tarde saímos dali e fomos a um bar próximo, bebemos algumas cervejas, depois visitamos Copacabana, local onde ela estava parando, e terminamos jantando no Restaurante Amarelinho, na Glória. Convém ressaltar que todas as despesas correram por conta livre e espontânea dela, com minha total concordância, é claro.

Passamos a noite num motel da Rua Mém de Sá, no Bairro Fátima, e gostamos tanto que resolvemos pegar as coisas dela e ficamos juntos por uma semana num hotel do Flamengo. Anabelle fazia turismo, e eu aguardava o dia do embarque na Marinha Mercante. Sendo assim, chegou o dia de levá-la até a Rodoviária Novo Rio, donde partiu para Porto Seguro. Ela traçou um roteiro até Fernando de Noronha e me convidou para acompanhá-la. Fiquei entre o coração e a razão. Este último prevaleceu. Retornei para Vila Isabel, onde morava. Chegara o dia do primeiro embarque.

Já como um tripulante do navio cargueiro Anunciata Ramos, da empresa Mansur, navegamos do Rio de Janeiro para Buenos Aires, cidade estilo europeu que deixa qualquer pessoa deslumbrada. No retorno atracamos em Paranaguá. De lá fomos direto para João Pessoa.

Não tardou que eu percebesse que a companhia pouco se importava com seus funcionários marítimos. Normal era que atrasassem o pagamento. Há uma semana atracados no Porto de Cabedelo, Paraíba, e nada de salário. Descontente, comuniquei ao Chefe de Máquinas que cumpriria apenas o horário do expediente. Ele, a princípio, não me levou a sério. Com o tempo, porém, vendo a minha determinação, avisou ao comando do navio. Resolvi desembarcar e descobri que as despesas de viagem seriam por minha conta. Eu pedi demissão, e eles me disseram que, nesse caso, não teriam mais responsabilidade comigo. Claro que a realidade é outra e argumentei que era responsabilidade da empresa repatriar o tripulante ao porto de embarque. Não me ouviram.

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