O toc toc dos sapatos de salto alto de Mariane tinindo contra o mármore das escadas, era como um calmante para ela, lembrando-a de que aquele dia era apenas mais um na sua rotina. O que viria logo a poucos minutos, não deveria significar mais que um pequeno desvio no roteiro do seu dia.
Todos os dias,de segunda a sexta, das 8 ás 18 horas, durante os últimos cinco anos, os dias de Mariane haviam sido a mesma coisa. Depois de um expediente atarefado, ela descia as escadas do prédio onde trabalhava como contadora com seu salto alto fazendo barulho, se dirigia ao estacionamento do prédio e destravava o seu carro.
Foi isso que ela fez mais uma vez naquele final de dia, entrou no seu pequeno e confortável carro vermelho, deu partida e se direcionou a portaria, onde cumprimentou o porteiro,que perguntou como ela ia e como sempre fazia naqueles últimos dias, fingiu o sorriso e disse que estava tudo bem.
Logo pegou a avenida,o trânsito lento e um pouco caótico, fez ela encostar as costas no banco e relaxar por um momento.
Sua vida havia pego um rumo inesperado nos últimos meses, foi fazer os exames de rotina com a ginecologista e voilá, nódulos nos seios. Não demorou muito para que o diagnóstico da biopsia viesse e o resultado positivo para Câncer de mama, Estágio II fizesse seu chão caí.
A vida inteira pareceu passar aos seus olhos, lembrando-a dos tantos sonhos que desejava cumprir... Queria passear nos canais de Veneza, comer uma autêntica pizza italiana, visitar uma tribo indígena na Amazônia, aprender a falar francês, ver a filha formada na faculdade e mais uma imensidão de sonhos, agora dependentes dos 73% de chance de ser curada completamente do câncer.
Depois de receber a noticia, nada parecia fazer mais sentido, sentia como se já estivesse sentenciada a morte. Quanto tempo mais teria? 4? 5? 6 meses de vida? Todos esses pensamentos vinham sem filtro na sua mente, e quando ela sentou na areia da praia, depois da consulta, chorou por horas a fio, até aquela última gota daquela angústia dentro de si parecer ir embora. Era difícil ver algum sentido na vida depois daquilo, pior se tornou quando conseguiu juntar as migalhas de coragem que lhe restava para contar a família e os amigos.
O trânsito desafogou, e ela trocou a marcha do carro ainda com os pensamentos nublados, apertando com força o volante, tentando voltar a realidade.
Ligou o rádio, alguma música de sertanejo universitário tocava. Ela colocou a franja detrás da orelha, seus pensamentos voaram para o trabalho, gráficos, recibos, comprovantes bancários, nos documentos que devia pedir a secretária para solicitar aos clientes. Tinha que pensar em qualquer coisa menos aquilo, precisava ficar sã. Sua vida não podia ser resumida naquele câncer, ela tinha uma vida antes dele e continuaria tendo-a, era só respirar fundo, ir com Calma, e parar de pensar tanto naquilo.
Minutos depois, entrou na rua onde ficava sua casa, estacionando na frente da mesma. Desligou o carro, e virando-se para o banco de trás, pegou a sua bolsa. Um chiado de dentro da bolsa, fez com ela abrisse-a, somente para encarar a sacola de supermercado com o conteúdo que havia comprado mais cedo. Fechou a bolsa no mesmo instante, e soltou o ar de seus pulmões, pensando no que viria a seguir, saiu do carro e fechando a porta, travou-o e se dirigiu a porta da casa.
Usando as chaves que estavam no seu bolso, abriu a porta, fechando-a logo em seguida.
“Cheguei, Kamily!” Gritou para que a filha escutasse. Já passava das sete, então Kamily já devia ter chego da escola. A garota era seu orgulho, filha dedicada, tão inteligente e nunca dava trabalho, e mesmo que desse amava-a demais.
Ajeitou a bolsa nos ombros, entrando em casa. Sua filha estava sentada no sofá, os olhos perdidos em alguma parte do azulejo da parede para qual olhava, e se Mariane pudesse chutar, com os pensamentos tão turbados quantos os seus. Aos poucos, Kamily virou os olhos na direção da Mãe, com um sorriso distante.
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O dia que eu não desisti
ChickLitMariane tem câncer, e ao contrário do que ela imagina, ele não será sua morte.