A Partida

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Descobri que meu pai estava doente e que já estava em um estágio avançado quando por um acaso o vi cuspindo  sangue em uma roda de amigos no último natal em que passamos juntos.

Quando o questionei o que significava aquilo, o velho me colocou sentada em uma cadeira e me contou todo o bê-a-bá. Assim, sem mais nem menos, jogou a bomba no meu colo, como alguém que conta uma piada.

E mais, me avisou que tinha apenas alguns meses ou menos e que depois que ele morresse eu iria herdar tudo, inclusive um gene também defeituoso que me fazia também ser portadora da mesma doença que ele tinha.

Que ironia do destino. Seria finalmente livre, rica, mas sem a companhia do meu melhor amigo e da minha saúde.

Como ser feliz desse jeito?

Então, tranquei meu curso de jornalismo, abdiquei de todas as coisas que adorava fazer para ficar o máximo de tempo com o coroa. Mas nada é tão forte quanto a dor da partida.

Então, com exatos quatro meses, meu pai partiu dessa pra uma melhor, uma vez que ele sofria muito e a cada dia deixava de ser aquele cara viril, maravilhoso e meu herói, para ser uma pilha de ossos e pele, que não lembrava como falar ou comer ou como era ser gente.

O via cada vez definhando e não podia fazer absolutamente nada. Isso me deixou também muito triste e depressiva.

E numa certa manhã de domingo enquanto o levava para o banho de sol matinal, ele teve uma convulsão, desmaiou e não acordou mais.

Quando eu e Marina, a enfermeira que o acompanhava o levamos para o hospital, já estava morto.

Vi os médicos tentando reanimação, fazendo respiração mecânica, dando choques elétricos no tórax, mas nada o fazia acordar. Ele havia desistido de lutar.

Também, quem gostaria de viver no auge dos seus cinquenta anos preso a uma cama, desmemoriado e dependente de todas as necessidades básicas e fisiológicas? Eu também teria desistido. O entendo completamente.

O velório foi algo muito reservado e apenas para as pessoas que realmente importavam para gente. Amigos e familiares mais próximos.

Alguns parentes distantes e interesseiros apareceram mas nada que eu pudesse evitar.

Fiz um discurso que não conseguir terminar, pois as palavras se prenderam em minha garganta em meio às lágrimas e o desespero de nunca mais poder dar um abraço forte nele ou o beijar, quando saía de casa, ou ainda passar horas e horas conversando sobre várias coisas com ele, ou quando ríamos por besteiras.

A vida é um sopro! E a qualquer momento é tirada de você! Me lembro como se fosse hoje, das últimas palavras carinhosas do meu querido pai:

- "Minha filha, você terá o mundo a seus pés, mas antes de partir faça tudo que tenha vontade e nunca, nunca deixe para amanhã o que você pode fazer hoje. Espero que você possa curtir e ser muito, muito feliz, vivendo o momento. Porque infelizmente fomos amaldiçoados com essa doença. Mas não a use como desculpa para deixar de ser feliz com o tempo que lhe resta".

Àquelas palavras tocaram fundo no meu coração, mas, após ver os coveiros selando a jade em que meu pai iria passar o resto da eternidade, eu que no momento não dei muita atenção ao que ele dizia naquele momento, achei que suas palavras faziam um total sentido para a minha vida.

Só não sabia como e o que fazer para ser feliz em tão pouco tempo.

A dor e a tristeza me consumiam dia e noite, e o vazio e a saudade não passavam.

De repente, em umas das muitas manhãs e tardes que eu passava em minha cama, chorando, Thiago, meu melhor amigo, depois do meu pai, entrou em meu quarto como um furacão.

Puxou meu lençol, abriu as cortinas do meu quarto, fazendo os raios solares baterem em meu rosto vermelho e inchado. Então por impulso escondi meu rosto com as mãos, como se ele não estivesse acostumado a ver daquele jeito.

- Jess, hoje você não ficará aqui chorando e chorando e chorando, não é o que seu velho queria que  você fizesse. Ele me fez prometer que eu curtiria a vida junto contigo e a faria feliz. - disse passando a mão em meus cabelos e tirando minhas mãos do meu rosto.

- Ah Thiago, eu não consigo! Vai embora! - estava rouca e minha voz era um sussurro. - Não quero, sinto muitas saudades dele!

- Não é questão de querer e sim de necessitar. Em alguns anos você irá passar por algo semelhante ao que seu pai passou, e vida a gente só tem uma! E a sua é pode ser mais curta do que às das outras pessoas. E se depender de mim, você irá viver cada dia como se fosse o último! Agora levante esse rabo seco da cama e vá tomar um banho, pois quero lhe ver deslumbrante! Se você não levantar daí agora ficarei aqui com você também, até você levantar e garanto que posso ser uma pessoa muuuuuuiiiiittttto inconveniente. -  disse sorrindo e com um olhar perverso.

Thiago além de meu melhor amigo tinha um gosto peculiar e não gostava de meninas, ele era aquele cara lindo de viver, mas que só curtia meninos. E era o cara que meu pai confiava para me deixar sair, pra me divertir, quando éramos adolescentes.

O único problema é que mesmo eu sendo muito bonita, com longas e bem torneadas pernas, um traseiro de arrasar, uma boca super carnuda e lindos e brilhantes olhos cinza azulados, geralmente quem fazia sucesso tanto com o público feminino (embora ele não gostasse) e também o público masculino, era ele.

Alto, musculoso, cabelos castanhos claros despenteados, olhos verdes penetrantes e uma maldita cara de cachorro pidão, daquelas que convencia até os mais héteros, a cobiçá -lo, mesmo que fosse em sonhos.

Após muita adulação, mais uma vez ele usou aquela maldita cara de cachorro abandonado, logo, cá estou eu de banho tomado, e experimentando milhões de roupas para sair com ele, que coloca mil defeitos em cada peça desleixada que quero usar.

Depois de incansáveis e intermináveis horas de "experimentações", enfim, consegui uma roupa que o fizesse  sorrir e dizer:

- "Perfeito, agora está apresentável para aparecer em público! "

Revirando os olhos e desejando as mil pragas do Egito para ele, (mentalmente é claro), saímos.






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