PESADELO

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As horas estavam passando e nada.

Ela olhava para o relógio sem parar. 8h00, 8h05, 8h10... E nada! Onde será que ele estava? O marido trabalhava à noite como segurança em um banco não muito longe de casa, então sempre chegava em casa por volta das 7h30, já que seu turno acabava às 7h00.

Mas dessa vez tudo parecia diferente. O pesadelo que tivera por volta das três da manhã a havia acordado e desde então não voltara a dormir. Levou a filha para a escola e voltou para casa, achando que o encontraria. Mas, não. Aquele pesadelo rondava a sua cabeça. Os gritos, as lágrimas, o medo da traição, a surpresa, o sorriso de satisfação.

Ele estava naquele motel barato que haviam visto na semana anterior quando estavam voltando de uma consulta da filha ao pediatra. Após ligar para o marido e não receber resposta, decidiu ir até lá. Suas intuições diziam que o encontraria naquele local estranho com luzes fluorescentes em tons de vermelho e azul distribuídas pela entrada. Pegou seu próprio carro e foi.

Chegou à recepção, conversou algo que nem ao menos se lembrava com o homem que lá estava e entrou naquele ambiente que lhe dava arrepios. Logo viu o carro do marido ao lado de uma vaga vazia, onde estacionou. Desceu do carro e seguiu em direção à porta de número nove, que, por coincidência, correspondia aos seus anos de casada. Bateu na porta duas vezes e ninguém respondeu. Resolveu testar a maçaneta para ver se estava trancada, mas, para sua surpresa, abriu depois de um estalar do trinco.

A porta rangeu levemente enquanto abria, mas o barulho foi mais suave do que o ranger da cama onde ele estava com uma mulher qualquer. Ela gritou seu nome e ele se virou em sua direção no susto, fora descoberto. As lágrimas escorriam pelo rosto dela e o ódio, decepção e indignação começaram a consumi-la. A mulher na cama ficou meio surpresa por ser pega no flagra, mas pareceu não se importar realmente com a situação, porque, aliás, não havia sido traída, estava só causando prazer a alguém.

– O que você está fazendo aqui? – Ele ainda teve a cara de pau de perguntar.

– O que eu estou fazendo aqui? – Ela revirou os olhos com raiva. – Você leva uma mulher para o motel, me abandona, se esquece de buscar nossa filha na escola, e ainda pergunta o que estou fazendo aqui? – Riu. Um riso seco e um pouco sádico.

– Acho melhor você ir embora.

– Você não acha melhor nada! – gritou. Mas acabou indo embora, entrando em seu carro e saindo sem rumo pelas ruas do bairro.

Até que uma buzina alta a assustou e acabou perdendo o controle do carro. Mas, antes de bater, acordou no susto, com a mão em direção ao coração e o corpo todo úmido pelo medo e susto. Estava sozinha na cama, é claro, o que não era tão ruim, a não ser naquela situação, quando o "causador" de seu pesadelo não estava ao seu lado para acolhê-la.

Depois disso, não dormiu mais. Foi no quarto da filha de apenas seis anos, notou que ainda dormia e seguiu para a cozinha. Fez um café forte, sentou no sofá da sala e ficou assistindo a programas aleatórios que estavam dando na televisão. Estava nervosa e parecia que as horas não passavam. Quando finalmente o despertador tocou, avisando que eram 6h00, levantou e foi acordar a menina. Respirou fundo antes de despertá-la e tentou agir como se nada tivesse acontecido. Fez toda a sua rotina habitual, deu banho na criança, arrumou, preparou o café da manhã e esperou enquanto ela comia.

Às 6h45, como de costume, seguiu com a filha rumo à escola. O carro estava intacto, sem nenhum amassado, o que causou certa estranheza, visto que deveria ter batido o carro fortemente no sonho, se não tivesse acordado antes da desgraça acontecer. Decidiu dar algumas voltar pelo bairro, observando as pessoas indo trabalhar, as senhoras caminhando, alguns cachorros urinando em lugar indevido, crianças correndo... Nada fora do normal, tudo como de costume. Mas ela não estava normal.

Chegou em casa uma hora depois de sua partida, abriu a porta e não encontrou o marido. Procurou pelos cômodos e nada, olhou no quintal e não viu seu carro. Onde ele estava? Será que estava naquele motel? Com outra? Os pensamentos loucos invadiam a mente já bem imaginativa daquela mulher.

Os minutos se arrastavam e, mais ainda, as horas pareciam não se mover, como se não quisessem passar. Não teve coragem de ligar para ele, pois tinha medo de repetir o sonho que havia a transtornado durante toda a madrugada. Preferiu esperar sentada no sofá, tomando outra xícara de café.

Ouviu um carro parando no quintal. Alguns minutos depois, escutou o barulho da chave na fechadura. Olhou no relógio: 11h00. Ele estava muito atrasado. Respirou fundo e colocou a xícara vazia que estava segurando há horas na mão. Desligou a televisão e levantou. Assim que ele abriu a porta e viu seu rosto, percebeu que algo estava errado. Ela não estava bem.

– Me desculpa pelo atraso... – ele começou a falar. Mas a respiração funda dela o assustou.

A música começou a tocar e ela notou que vinha da casa da vizinha. Parecia que tudo estava programado para aquela ocasião, era como se tivessem escolhido cuidadosamente a música. "E não precisa se vestir / Eu já vi tudo que eu tinha pra ver aqui / Que decepção / Um a zero pra minha intuição."

– Aonde você estava?! – ela gritou. 

E ele novamente tentou responder, mas não conseguia nem falar em meio ao surto daquela mulher.

Os gritos.

Ela gritava sem parar, falando coisas tão sem sentido que nem mesmo compreendia. Ele tentava falar, tentava, tentava, mas não conseguia. Então decidiu esperar com que se acalmasse um pouco.

As lágrimas.

Os gritos foram cessando e sendo substituídos por lágrimas que escorriam pelo rosto daquela mulher sem parar. Uma sensação de impotência e desespero a invadiu.

O medo da traição.

Era a única coisa que conseguia pensar. Ele nem havia se explicado, mas o pesadelo havia invadido a mente dela de tal forma que não conseguia dar chance para que ouvisse o lado do marido nessa história. Mas ele não desistiu e segurou firme em seus braços, fazendo com que o encarasse.

A surpresa.

Ele começou a explicar seu lado da história. Falou que o carro havia quebrado, que a bateria havia descarregado e que estava até agora na rua. Mostrou as marcas de graxa nas mãos e a roupa toda amassada. Depois de um tempo, ela se acalmou e pareceu acreditar nessa versão. Chegando a rir sozinha da situação. Olhou no relógio: 11h45. As músicas haviam cessado na vizinha.

O sorriso de satisfação.

Era hora de buscar a filha na escola. Abraçou seu marido, deu um beijo leve em seus lábios e saiu pela porta, sorrindo sozinha, querendo rir mais alto, mas se controlando para não parecer estar louca. Entrou no carro e partiu rumo ao encontro da filha. Um sorriso mais uma vez surgiu em seus lábios, pensando em como era sortuda por ter um marido fiel e um casamento de quase dez anos. Mas logo fechou a cara, lembrando-se daquela marca de batom no canto esquerdo da gola da blusa de seu marido. 

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⏰ Última atualização: Sep 21, 2020 ⏰

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