Pai ?

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Vou falar de outra perda, mas neste caso, não é da minha parte.
Os meus pais se separaram quando eu tinha apenas 3 anos por uns motivos pela qual prefiro não citar, nessa altura fomos para casa da minha tia Bethany já que não tínhamos onde ficar ..
Apesar de se terem separado pensava que ele iria continuar presente na minha vida mas enganei-me bem ..
Quando fiz 5 anos a minha mãe apareceu com o Charles lá em casa, achei estranho... estava a espera que me fossem pentear o cabelo e como estavam a demorar tinha pegado numa escova e fui para a sala mas assim que entro, fico completamente envergonhada por tar numa figura triste a frente de um homem que nunca tinha visto na vida... mas fui passando um tempo com ele, foi ele que me tirou o brinco quando ele tinha entrado no furo, foi ele que me protegeu quando íamos sendo assaltados, foi ele que me deu o primeiro cão, deu-me o meu primeiro telemóvel, foi ele que me ajudou quando um pisei num prego, ele deu-me tudo...
Mas não estou aqui para falar do Charles, hoje vou falar do meu pai biológico, que também se chama Charles.. coincidência right?!
Não me lembro de ter passado muito tempo com ele, apenas sei que o vi para aí uma 3 vezes quando estava em Amesterdão, falávamos poucas vezes ao telemóvel mas a nossa chamada acabava sempre com "o papa te ama muito ya ?!" e eu acreditava e acreditando nessas palavras, acreditava que ele iria ser uma pessoa presente na minha vida, acreditava que ele iria fazer o seu papel de pai, esperava que ele me ligasse todos os dias, se não o fizesse, esperava que ele ligasse nem que seja no dia do meu aniversário nem que seja um dia depois, ele fez isso, uma ou duas vezes e a partir daí não me lembro de o ter visto ou de ter falado com ele... passei noites e noites a pensar o que tinha feito de errado para ele não me ligar ou não querer saber de mim, pensava que o tinha perdido, pensava que ele iria ser a minha primeira perda, magoava-me pensar isso..
As minhas amigas viam que andava em baixo, eu desabafava com algumas, as que mais confio, Lana, Isabella e Virgínia.. elas diziam-me para não pensar nisso, que na verdade quem tinha era ele, elas diziam que ele tinha perdido uma filha bonita, simpática e que ele não sabia que tinha perdido.. e é isso que tenho pensado, se ele realmente quisesse saber de mim ele iria fazer de tudo para manter o contacto comigo, ele sabe conduzir, poderia ir ter comigo esteja onde estivesse.. fiquei a saber que ele tem mais filhos, então pensei que ele estaria ocupado com eles e não teria tempo para mim e para minha irmã..
Eu era menor, sempre que fosse para viajar tinha de pedir autorização ao homem a quem eu costumava chamar de pai, sempre que ouvia falar dele eu calava-me, queria desligar-me dele, esquecer tudo sobre ele, nem queria ouvir mais sobre ele.. fui me afastando ao ponto de fugir chamadas que mais tarde a minha mãe fazia com ele, perguntava por mim, eu pedia a minha mãe para dizer que tinha saído ou que estava a dormir por vezes saia de propósito para evitar falar com ele..
Chegou o dia em que eu tinha de tratar de uns documentos para ter o B.I português, apesar de ter nascido em Portugal não tinha B.I português uma vez que tinha saído de lá nova, nesse dia em que fui tratar dos documentos tinha de estar no mesmo lugar que o Charles, o pai biológico, senti-me nervosa, a última vez que o tinha visto foi quando tinha para aí 12 anos e apenas 5 anos depois, passados sem nenhum tipo de contacto, tive de estar no mesmo espaço que ele.. foi um momento muito constrangedor, pelo menos para mim, eu tinha chegado lá primeiro com a minha mãe e a minha Tia Nahi, entramos e ficamos a espera dele, estava super divertida com a minha mãe no momento.. quando chegou tudo o que ouvi foi um "Boa tarde" nesse momento ainda não tinha olhado para ele, fiquei quieta até ouvir

"Não dás um beijinho e um abraço a tua filha?"

Foi o que a minha Tia disse, levantei-me dei-lhe dois beijinhos e voltei a sentar ao pé da minha mãe.. no momento pensei que se a minha Tia não tivesse dito nada, estaríamos como se fôssemos estranhos, por ele nem teria cumprimentado, aquele "boa tarde" teria sido o suficiente para ele.

Eu esperava tudo, menos que ele fosse me tratar como estranha se bem que é isso que somos um para o outro, eu não o considero meu pai, sempre ouvi dizer que pai é quem cuida e quem fez isso foi o Charles Olivier, ele foi o meu verdadeiro pai, o suposto pai biológico é apenas uma pessoa que contribuiu para a minha existência porque de resto não sei nada sobre ele, já nem sei quando é o seu aniversário.. é duro dizer isto mas é a realidade, finalmente acordei.

Sempre guardei um certo rancor sobre ele, porque eu queria que ele me desse mais atenção, não queria ter chorado por ele. Agora sempre que me perguntam por ele eu digo que a minha mãe é o pai, ela faz o papel dos dois e quando digo isto não minto. Ela é que me sustenta, ela cuidou de mim, ela está sempre lá para mim, para o bem e para o mal.

Nestas férias de verão ouvi dizer que temos de perdoar para que possamos ser perdoados. Quando ouvi isso pensei logo no ser que me é desconhecido, terei de o perdoar por me ter feito chorar quando era pequena, por não estar presente na minha vida, por me ter iludido com aquelas palavras "papa te ama muito". Agora que cresci e que penso nisso, acho que foram meras palavras deitadas para fora, porque não basta dizê-las, também deve-se demonstrar o amor sentido.

Mudei-me para Guimarães, a minha mãe continua em Amesterdão a trabalhar, moro com a Marcy e a minha prima Nadia. O Charles recebeu a notícia de que estávamos a morar sozinhas e aí do nada a sua preocupação aparece, porque somos mulheres e não podemos estar sozinhas, depois de ter citado palavras idênticas a estas, diz que vem para cá morar connosco.. quando ouvi isso quis simplesmente partir tudo, depois de tantos anos, agora, que estamos crescidas, que sabemos cuidar de nós é que mostra interesse em tar connosco. Não aceito. O bom é que com o tempo fui me apercebendo que ele teria dito aquilo de boca para fora, o que me deixou mais aliviada.

Sei que terei de fazer com que este sentimento desapareça, sei que terei de o perdoar, mas a verdade é que não consigo, pelo menos não ainda.. sei também que possivelmente há pessoas da minha família paterna a ler isto, não quero que levem a mal, sei que posso a vir a arrepender-me de ter dito algumas coisa mas simplesmente estou a exprimir o que sinto, claro que sei que ele tem a sua versão, mas esta é a minha. E nesta minha versão vejo uma perda, não dá minha parte, mas da parte de alguém que devo chamar de que ? Pai ?

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