Capítulo 2: Debaixo da saia da baiana

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Olhei para o céu, a lua de São Jorge ali estava para abençoar o desfile da escola do São Carlos. O círculo prateado roubou toda minha atenção quando conferi as horas no relógio da Central.

— A senhora carrega muita coisa, dona Teresa! — admirou-se Júlio, com a voz abafada. — Simplesmente não encontro. Não acha que está — ele saiu da armação que sustentava a parte debaixo da minha vestimenta — na hora de parar de fumar?

— Por Deus, já me basta marido e filho me enchendo o saco com isso. Até você, Júlio? — Coloquei as mãos na cintura. — Desamarra minha bolsa então!

O garoto entrou de novo debaixo da saia e senti as mãos tocando a cintura na região do nó dado mais cedo quando me arrumaram com a fantasia. Como havia me esquecido de pegar o cigarro? Senti a faixa afrouxar e o menino saiu da fantasia, oferecendo a bolsa. Não precisei vasculhar nem por trinta segundos, o cigarro estava condicionado no bolsinho que havia dito que estaria.

— Vocês, homens, nunca prestam atenção no que falamos! — exclamei, mostrando o maço. — Dá vontade de esfregar na sua cara, estava bem onde tinha explicado.

Júlio deu um sorriso amarelo e coçou a cabeça, se apoiando no meio-fio, ainda agachado.

— Minha mãe fala a mesma coisa quando me pede algo.

— Só pode ser defeito de fabricação, meu marido e o meu filho são iguais! — revelei, acendendo o cigarro para degustar antes do desfile. Agora faltava pouco, não se ouvia mais o samba da Cubango e as pessoas estavam quase todas prontas à nossa volta.

— Eles não desfilam com a senhora? — O garoto segurava minha bolsa no colo.

— Não, eles estão na concentração do Império Serrano. É sexta escola de hoje. É desse lado mesmo — apontei para o lado esquerdo —, mas ainda estão fora do curral. — Vi a cara de interrogação dele. — Esqueci que é a sua primeira vez. Está vendo essas grades verdes nos separando das outras pessoas? — Assentiu. — Toda a Presidente Vargas é a concentração, mas, como somos a próxima escola, estamos no curral. Agora se enfia aí debaixo e prende essa bolsa.

Júlio pegou o aro maior da saia e o estendeu para conseguir cumprir minhas ordens. Eu ainda estava com a cabeça encaixada no braço, só a colocaria quando estivesse na hora de entrar, pois aquela cruzeta espremia o cérebro. O que a gente não passava pela escola do coração?

— Ufa! — Ele secou o suor, ficando de pé. — Por que a senhora traz linha, agulha e o escambau naquela bolsa?

— Sou uma mulher prevenida e trago o kit costura — revelei ao levantar a cabeça para encará-lo. — Já desfilei em escolas que a roupa estava em petição de miséria e precisei alinhavar o que estava solto. — Antes de ele continuar com os questionamentos, prossegui: — O chinelo, obviamente, é para dar liberdade aos meus pés depois dessa tortura que eles chamam de sapato.

— E o saco preto?

— Fique tranquilo que não vou matar ninguém. — Júlio riu. — Serve para colocar a fantasia ao me desmontar lá na dispersão. A gente precisa entregar a roupa completa se quisermos desfilar no próximo ano. — Soltei uma baforada de fumaça.

Três cavaleiros passaram correndo ao nosso lado com as armaduras reluzentes. Estavam com cara que seriam componentes da comissão de frente. As pessoas passarem apressadamente com a chegada da hora do desfile era normal. Alguns não encontravam a ala entre aquele mar de fantasias e carros alegóricos. Havia também muitos que compravam fantasias e não sabiam a posição de desfile. Fantasias entregues na própria concentração e outros imprevistos tornavam emocionantes os instantes antes do cortejo carnavalesco.

Perdendo a Cabeça[Conto][Completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora