É noite e estamos à menos de um dia do posto militar. Havia velas na casa dos crentes suicidas, de modo que escrevo à luz de uma. Os homens dormem, alguns deles tremendo, uns chorando de maneira que ninguém escuta, outros falando sozinhos e acordando de repente. Não há sono profundo para nós, ainda não.
No meu último cochilo sonhei, desta vez em preto e branco, a lembrança.
Dom Pedro, saudado no riacho Ipiranga, ergueu os braços em fervor — vários o imitaram, menos os amotinados ocultos na multidão. O disparo foi certeiro: nosso líder caiu para trás com o peito explodido. Quanto terá sido prometido ao Judas atirador? Ele foi apanhado, junto aos seus companheiros, depois de alguns outros disparos e socos e chutes. Eram oito, e metade foi executada ali mesmo. Levaram Pedro para alguém que pudesse ajudar, não houve esse alguém e o futuro guia do país morreu em meio seus seguidores, de repente arrasados.
Não posso dizer que a própria família dele lhe encomendou a morte. Prefiro acreditar na existência de políticos corruptos dados ao suborno que fizeram aquilo acontecer através de desgraçados desesperados que não tinham identidade patriota forte o bastante para resistir ao peso de moedas num saquinho de couro.
Dos amotinados, esses desgraçados desesperados, veio a informação: os portugueses estavam no litoral, não se retiraram e iriam lutar pelo Brasil. Frotas portuguesas estariam somando números em breve, desembarcando nos próximos dias. Guerra, então.
Nossa artilharia foi reunida, todos que podiam lutar, novos e velhos, encareceram a fileira. Descemos a serra para levar vingança aos malditos. A batalha foi ensurdecedora. Ali, perdi Mateus e Souza para o fogo inimigo. Sampaio foi alvejado numa perna e morreu por causa do sangramento. Lealdo, Ramirez e Tomás desapareceram num explosivo ataque de armas pesadas que desembarcaram na praia e foram alinhados contra as montanhas. Vi de longe, quando o combate encontrou, o homem que enforcou Eduardo.
O comandante gritou pelo recuo e todos acataram de pronto. Vários outros companheiros de conversa e de bebida receberam tiros nas costas enquanto corríamos para longe do inferno.
Foi assim. O fim. E às vezes, acredito que morri naquela luta. Penso que estou apodrecendo aos poucos.
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Letras mortas
Fantasy1822. Dom Pedro, varado por chumbo, não conseguiu dar o grito. Uma coluna alquebrada da tropa auxiliar do exército brasileiro, surpreendidos e derrotados por portugueses que não desistiram da colônia, escapa para o interior de São Paulo na tentativ...
