Capítulo 2

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Vila de Vitória – Capitania do Espírito Santo, 12 de março de 1.625

Os sinos da igreja repicavam naquela manhã ensolarada, assustando os pássaros e alertando os habitantes de que algo muito errado estava acontecendo.

— O que vês, Maria? – indagou a mãe, Dona Carolina, atenta ao bordado que trazia Às mãos.

— Pois não vejo nada, senhora minha mãe! – respondeu a moça, debruçada na janela a observar outros vizinhos fazerem o mesmo, na mesma busca por respostas.

Maria Ortiz era uma jovem de vinte anos, filha de um casal espanhol que chegara Àquelas paragens em 1.601 em uma das ondas imigratórias promovidas pelo rei da Espanha, Dom Felipe II. Seu pai, D. Juan Ortiz possuía um pequeno estabelecimento comercial no térreo do prédio onde moravam, local em que seus clientes podiam saciar a sede em busca das bebidas que lhe faziam esquecer os dias difíceis.

Ainda debruçada sobre o beiral da janela, Maria viu Bento subindo a ladeira ao longe. Ainda que distante, seus olhares se cruzaram e ele lhe fez um sinal discreto para que o encontrasse. O rapaz era de uma tribo indígena, mas vivera toda sua vida dentre os padres jesuítas a quem Bento auxiliava nos trabalhos da paróquia e onde Maria o havia conhecido. A jovem se encantara pelo rapaz por sua inteligência e gentileza; Bento era muito estudioso, aproveitando suas horas vagas para perder-se na leitura de diversos volumes que o padre possuía na casa paroquial. Sua inteligência discreta chamara a atenção da jovem Maria que não conseguiu evitar apaixonar-se. Há algum tempo levavam seu namoro em segredo; Maria sabia que seria difícil ao pai aceitar um "gentil" como genro e Bento, por sua vez, temia a reação do cacique Japi-Açu, o líder de sua tribo original, a quem ainda devia grande respeito.

— Vou procurar saber das novidades, senhora minha mãe. Volto em breve.

Maria viu que a mãe iria protestar contra sua saída, mas foi mais rápida que D. Carolina e lançou-se porta afora. Desceu os degraus de dois em dois até alcançar a rua, onde as pessoas reuniam-se em pequenos grupos; suas expressões dividiam-se entre surpresas e temerosas. A jovem desceu a rua em passos rápidos, margeada por diversos sobrados muito parecidos com o seu próprio: paredes caiadas de branco e janelas azuis; no térreo, havia lugar um comércio e na parte de cima, a residência. Era assim por quase toda a extensão da Ladeira do Pelourinho.

Maria aproveitou-se da comoção que reinava absoluta ali para procurar por Bento até que um braço forte a puxou para dentro de uma portas dos sobrados mais abaixo de sua moradia. O rapaz se certificou de que ninguém os vira antes de fechar a porta atrás de si, mergulhando o pequeno hall diante da escadaria, em um mar de sombras iluminado apenas pela parca claridade que vinha de uma janela logo acima da porta azul.

— Bento, o que está acontecendo? Por que os sinos estão badalando a esta hora do dia?

— Shhh, Maria. Me escute: nossa Vila de Vitória está sob ataque!

— O que? Ataque? De quem?

— Os holandeses aportaram a uma curta distância e estão se preparando para nos atacar. Os padres e os Caciques Gato Grande e Japi-Açu estão convocando todos a pegarem em armas para defenderem nossa vila.

— Minha nossa senhora! – exclamou a moça, levando a mão ao coração para, logo em seguida, apoiá-la sobre o ombro do rapaz. — Mas, e você?

— Vou lutar também, junto com os demais. – disse Bento, pousando suas mãos sobre as de Maria cujo semblante estava carregado. — Não se preocupe, meu amor. Vou ficar bem. Vou defender nossa terra e não deixarei que nada de ruim lhe aconteça. — Ele depositou-lhe um beijo nas mãos que cuidadosamente tomara entre as suas, olhando-a com carinho. — Agora, vá. Avise aos outros e procure ficar em casa. Não saia de lá enquanto não for seguro.

Margaridas AmarelasOnde histórias criam vida. Descubra agora