As almas dos enforcados

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Quando o coche finalmente apareceu na entrada do Largo da Liberdade, todos os olhares se voltaram para ele. Era preto e robusto, contrastando com o crepúsculo delicado que se abatia ao seu redor. Dois cavalos puxavam o veículo, guiados por um cocheiro de aparência fechada e vestido com mais roupas do que o clima quente necessitava.

Em uma manobra perfeita, o cocheiro estacionou o veículo e rapidamente desceu. Sem direcionar o olhar para qualquer um dos presentes, seguiu até a portinhola e a abriu com um só movimento. De dentro do coche, assim, surgiu um senhor de meia-idade, cabelos esbranquiçados e aparência estrangeira. Usava uma espécie de batina justa, de um roxo escuro e mórbido, pouco parecida com a do padre Almeida, a quem estava a prestar aquela tão esperada visita.

Ao descer do coche e pisar no asfalto coberto de poeira, o recém-chegado olhou ao redor e viu uma área ainda pouco habitada da cidade de São Paulo. Algumas casas e palacetes espalhavam-se ao redor do largo, contrastando com alguns edifícios que se enxergava ao longe, sumindo no horizonte. Distraído, não notou a chegada do padre Almeida até que ele surgisse à sua frente sem aviso, fazendo com que tomasse um leve susto e recuasse discretamente.

— Padre Jullian, que prazer em recebê-lo! — disse o velho, levando uma das mãos na direção do visitante.

— O Senhor... Padre Almeida? — respondeu o outro, em um português amador.

— Oh, perdoe minha falta de educação. Sou o padre Almeida, sim — afirmou o anfitrião, ligeiramente afobado. — Fui eu quem enviou o pedido de ajuda à sua Ordem.

— Prazer conhecê-lo — Jullian respondeu, sem retribuir a animação. — Meu português não muito bom, mas não será problema. Estudei quando fui menino, muitos, muitos tempos atrás.

— Seu português está ótimo, padre! Mas é uma pena que sua visita ao Brasil seja por uma causa não muito agradável.

— Isto é o meu trabalho. Vou para onde Deus me enviar.

— E que assim sempre seja! — Almeida concluiu. — Sei que deve estar cansado da longa viagem, mas gostaria de acompanhar-me até a capela para que eu possa falar sobre o nosso problema?

— Certamente.

— Venha comigo, por favor.

Depois de solicitar algo ao cocheiro, Jullian voltou-se para o padre Almeida e pôs-se a segui-lo. O padre local era gorducho e careca, vestia um manto marrom-escuro e mais se parecia com um monge do que com um eclesiástico, pelo menos não com os que Jullian costumava ver em sua terra natal. Lado a lado, os dois senhores avançaram pelo largo e logo chegaram às escadinhas da igreja. Eram poucos degraus, e logo depois deles surgia uma porta de madeira protegida por um arco de pedra acinzentada. Acima dela erguia-se uma parede que se findava em de estilo barroco e que pareciam ainda inacabadas. Subiram os degraus e o padre Almeida abriu a porta, e por detrás dela surgiu uma capela não muito comprida, recheada por fileiras de bancos. Um altar de cimento adornado por uma imensa cruz de madeira escura se destacava na extremidade, rodeado por cavidades nas paredes onde imagens de santos de diversas épocas existiam em silêncio.

— A capela ainda não pronta? — Jullian questionou inevitavelmente, após notar pequenos entulhos de pedra, ferramentas e toras de madeira espelhadas pelo lugar.

— Ainda não conseguimos terminá-la, e isto é parte do nosso problema aqui — Almeida explicou, parando bem diante do altar. — A construção já vem sendo atrasada há muitos meses, por causa de fatos... estranhos... que acontecem neste local.

As almas dos enforcados  | Um conto de   I N    N O M I N E   P A T R ISWhere stories live. Discover now