Deathtale

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O badalar da meia noite marcava o início da parada dos mortos, a névoa vermelha se espalhava com os ventos do inverno fazendo com que até mesmo as árvores estremecessem diante do som da flauta de ossos. Dizem que na noite morta quem avistasse a animada parada daqueles que já não mais respiram seria por eles levado. A morte caminha entre as tumbas acordando os corpos adormecidos com sua flauta, o longo quimono rasgado dançava enquanto ela se movia com sua alegoria, flores vermelhas cobriam metade de seu corpo que era como uma luz fantasma brilhando no lugar das estrelas consumidas pela escuridão. Os corpos dançavam, o som dos esqueletos ecoava como o grito das bestas definhando enquanto marchavam na terra dos vivos, nesta noite onde a roxa lua pregava peças como uma criança, um casal caminhava em direção a seu cruel destino dançando sob os feitiços passados. Em uma noite mágica caminhamos com nossos dedos entrelaçados para caçar vaga-lumes, assustada por uma superstição seu corpo frágil busca refúgio em meus braços e nossos corações batem ao mesmo ritmo ecoando pela noite mágica. Um conto de fadas com um final feliz ao seu lado é tudo que desejo enquanto me ajoelho oferecendo-lhe um anel encantado com todas nossas lembranças, as lágrimas que atingem o chão não produzem nenhum som, seu sorriso parece dizer algo porém não ouço nada. Uma névoa vermelha se espalha cobrindo nossos pés, o som triste de uma flauta parece me enfeitiçar enquanto meu rosto se volta para a estrada onde me deparo com a alegoria do terror, liderando a marcha estava uma entidade de uma beleza exótica que dava um novo sentido a palavra, o lado direito de seu corpo era branco como porcelana com um leve brilho azulado, olhos de serpente rosados, lábios negros, cabelo curto e violeta com as pontas mais escuras, o lado esquerdo de seu corpo estava envolto em flores de pétalas vermelhas como sangue, seu braço era apenas o esqueleto enquanto sua perna era a de um cervo, um par de chifres de cervo se encontrava em sua cabeça e neles pude notar pequenos vaga-lumes repousando junto de aves mortas, suas vestes eram um quimono azul celeste rasgado e sujo pelo lodo, a parte superior frouxa caía expondo seus ombros e a frente de seu corpo coberto por faixas já amareladas. Enquanto meus olhos vidrados estavam mais uma vez observando aquela magnífica criatura nossos olhares se encontraram, em seu rosto um sorriso tornava visível que sua boca era cortada de orelha a orelha, um gelo corria por minha espinha com meu corpo imobilizado pelo medo, o som de sua flauta se tornara mais agressivo. A mão que estava envolta nas minhas se tornou fria me trazendo de volta a realidade enquanto a marcha fúnebre seguia seu caminho, quando meus olhos encontraram quem um dia amei meu corpo caiu para trás pelo choque, diante dos meus olhos minha noiva se transformava na mais horrenda criatura.Sua cabeça se rasgava expondo a de um cervo, com chifres quebrados que sangravam, apenas um olho, e vermes por todo seu corpo que agora derretia como uma vela, galhos cobertos por espinhos saíam de seu corpo assim como pedaços pontiagudos de mármore negro, correndo pela floresta busquei refúgio da aberração que me perseguia. Éramos como uma lebre que foge de uma raposa, a névoa se tornava mais densa escondendo as raízes que me perseguiam, meus pés foram envoltos por espinhos grossos cravados em meus músculos e assim me elevando de cabeça para baixo encarando aquela besta nos olhos. Sua boca cheia de dentes se abria, os ventos pareciam uivar como lobos, minha mão se esticava para alcançar aquelas pedras, porém também foi agarrada, então com minha outra mão furei seu olho. O sangue manchava-me até o pulso e meu corpo caía no chão, com as duas mãos no mármore puxei-o como uma espada, uma risada perturbadora deixou seus lábios quando um novo olho se abria em suas testa e braços surgiam esticando-se como serpentes em minha direção, tudo era tão confuso... A febre tomava conta do meu corpo enquanto minhas veias se tornavam escuras com o veneno, apenas me lembro de rasgá-la com esta pedra e minhas mãos continuavam abrindo seu corpo, o sangue e seus gritos se espalhavam por toda parte. O tempo havia parado, o mundo não mais girava, o vento não soprava e o único som era o da flauta. Quanto tempo se passou? Era o que pensava enquanto me cobria nas entranhas daquele monstro, flores vermelhas se espalhavam pelo chão e como cordas me amarraram como um animal, a lua roxa iluminava a pavorosa realidade, recuperando meus sentidos pude ver que o monstro era eu... Sentado sobre o corpo de minha noiva coberto por seu sangue, com minhas mãos em seu interior. Mãos frias e decompostas envolviam meu corpo tapando minha visão. A parada da morte faz seu caminho pela noite sombria consumindo o casal enganado pela lua na noite guiada pelo frio som de uma flauta, quando o sol nascer todos retornarão à suas tumbas.

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