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Narciso era o tipo de pessoa normal - com 28 anos, tinha acabado seu curso de jornalismo recentemente e já trabalhava em um dos canais jornalísticos mais famosos do país.
Sua vida era normal - tinha uma casa própria, trabalhava oito horas por dia e dormia às onze e meia. Era solteiro, não por falta de opção ou feiura, pois era um jovem extremamente bonito (e ele sabia muito bem disso), mas sim porque, de todos os relacionamentos que teve, nenhum foi saudável: o egoísmo de Narciso sempre foi um grande empecilho para seu desenvolvimento social, mas nunca aceitou essa verdade.
Entretanto, a vida normal de Narciso terminava com seu vício. Era um vício que não falava para ninguém, pois, apesar de não vê-lo como algo ruim, acreditava que somente ele praticava isto, então evitava para não ser mal visto.
Seu vício era seu próprio corpo. Quando chegava do trabalho, já começava a arrancar suas roupas como se estivessem queimando sua pele enquanto ia até o quarto. No fim, ele chegava até o espelho e tirava sua cueca - que sempre era o pedaço de roupa que retirava por último - e ali, ele contemplava seu corpo. Seu seio bem formado, sua barriga magra, suas coxas duras e fortes, seus braços bem trabalhados, seus finos lábios vermelhos, seus olhos verdes, seu nariz fino, seu maxilar e suas maçãs do rosto expostas em seu rosto triangular. Ele era maravilhoso, e sabia disso. Tocava em seu corpo enquanto olhava para o espelho, passava a mão em suas pernas tão suavemente que chegava a lhe dar arrepios, tocava seu peito e descia até seu pênis.

E então, finalmente, recolhia todos seus quadros do quarto e se lançava na cama. Cada quadro tinha uma parte de seu corpo nu. Ficava de joelhos, com as fotos posicionadas paralelamente e então se masturbava. "Eu amo você", dizia a si mesmo; gemia de tanto prazer, gemia com o orgasmo que seu corpo tão gentil lhe dava todos os dias. Era um ritual diário.
Quando acabava, limpava os fluidos que ficavam nos quadros, os reposicionava pelo quarto e deitava na cama, mantendo sua nudez exposta. Depois disso, ia fazer o que lhe dava na cabeça: ia comer, ou assistir TV, ou trabalhar em casa, editando e revisando o site do canal que trabalhava.
Seu ritual demorava cerca de quatro horas. Eram quatro horas se amando e se deliciando com o corpo que o universo lhe dera. Ninguém podia ser tão lindo quanto Narciso.

Em um dia frio de Sábado, Narciso foi até um shopping da Zona Sul de São Paulo comprar algumas roupas. Apesar de não ganhar muito, tinha a herança de seus milionários e falecidos pais, o que lhe concedia o poder de gastar até o fim dos seus dias sem se preocupar.
Estava em uma loja procurando jaquetas que chamassem atenção, mas que ao mesmo tempo fossem lindas e quentes - e foi nessa loja que Narciso perdeu a cabeça: escolhendo uma blusa de lã, estava um jovem talvez na mesma idade que ele, um garoto normal, porém exatamente igual à Narciso.
Narciso rodeava seu sósia extremamente intrigado. Como poderia existir algo tão semelhante? Como esse garoto poderia existir? Sua confusão se tornou irritação e, rangendo os dentes, caminhou até até suas costas como um felino indo até sua ameaça e tocou em seu ombro.
"Ahm?", o jovem nem tinha reparado em Narciso, mas quando o viu, deu um grito agudo de susto e depois começou a rir, "meu deus! Um clone meu?", falou entre risos.
"Como assim, 'um clone meu'", perguntou Narciso para si mesmo, em seus pensamentos. Quem era o clone ali era ele! Com seu talento de manipulação e o dom de atuação, Narciso sorriu e continuou a conversa.
"Não dá para acreditar!", Narciso exclamou, fingindo felicidade. "É impossível que alguém se pareça tanto assim sem ser irmãos gêmeos ou algo assim. Não que eu ache que sejamos. Meus pais já estão mortos, e você parece um pouco mais velho do que eu", ele tentava encontrar alguma falha, mas não achava: eram exatamente iguais.
"Bom, parece que não é mais tão impossível!", o jovem respondeu sorrindo, ignorando o comentário sobre sua idade.
"É isso, eu e você vamos nos encontrar em algum lugar de verdade e vamos conversar! Eu, eu não consigo acreditar,  a gente precisa se conhecer!", Narciso falou, atropelado a fala do garoto. "Qual seu nome, lindo?"
"Gabriel", disse ele rindo do irônico elogio. "Quer que nos encontremos em qual lugar então?"
"Na minha casa, por favor! Quero conversar contigo com calma e plenitude!", Narciso se controlava de forma surpreendente até para si mesmo.
"Claro! Me passa seu endereço?", disse Gabriel, anestesiado pela presença de Narciso.

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⏰ Última atualização: Dec 07, 2017 ⏰

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O corpo de NarcisoOnde histórias criam vida. Descubra agora