Antes de começar a contar essa história, tenho a obrigação, como narrador, de lhe colocar a par da situação (na verdade a obrigação é sua, eu não preciso fazer nada).
Há mais ou menos 14 anos e meio, um velhote metido a cientista, descobriu a cura para todas as doenças. "Nossa, como era isso? Como ele conseguiu?". Isso não importa. Depois de anos de trabalho, a obra-prima da vida desse velho, que obviamente não vou falar o nome, estava pronta. Era um antídoto, a coisa que no dia do lançamento todos queriam. E, por incrível que pareça, funcionava.
Imagine você, viver a vida inteira sem ter que se preocupar com nenhuma doença. Claro, doenças psicológicas ainda eram um problema, assim como obesidade. Mas isso não vem ao caso.
Os primeiros a usar o "Cura-Tudo", como foi batizado, foram os políticos, celebridades, pessoas com dinheiro sobrando e que queriam economizar de todo o dinheiro que tinham sobrando e que seria gasto com tratamentos contra doenças. Aos poucos foi se reforçando ainda mais a notícia de que o mundo todo poderia viver sem doenças novamente; as pessoas só teriam que se preocupar com a morte quando chegasse a vez delas, e não porque um câncer em uma parte do corpo que você nem sabia que tinha surgiu e transformou suas radiografias em pinturas do Pollock.
Depois foi a vez do pessoal mais pobre comprar o Cura-Tudo. E, em menos de um ano, todos no mundo já haviam adquirido o tão sonhado remédio. O tal cientista havia sumido, sem mesmo ter aparecido na TV para agradecer a todas as pessoas que diziam que, se não fosse por ele, estariam mortas naquele momento.
O estranho disso tudo foi que, meses depois de o velho ter sumido, outras pessoas começaram a desaparecer. E isso foi aumentando de tal forma que as pessoas começaram a ficar em pânico. Foi então que, era uma quinta-feira, se não me engano, um amontoado de roupas apareceu andando no meio de uma entrevista que era dada por um político importante, na Nova Zelândia. Na entrevista, ele dizia como era enorme o abalo político na venda de máquinas de sorvete com a crise de ansiedade que havia abalado o mundo. Então, do nada, um homem invisível passa por ele, com um dos braços do paletó abanando para a câmera, como se estivesse agindo normalmente.
No início todos acharam que era uma enorme jogada de marketing da Nova Zelândia para vender roupas ou algo do tipo, mas logo mudaram de ideia. Relatos vindos do mundo todo sobre pessoas que haviam visto coisas se moverem, máquinas se ligarem sozinhas. E as pessoas continuavam a sumir, conforme os eventos inexplicáveis continuavam a crescer. O pessoal do paranormal estava em alta, em sua maioria eram charlatões, aspirantes aos Warren, mas os que eram sérios, que levavam o trabalho de caça-fantasmas a sério, estavam nadando no dinheiro. "Meu vaso deu a descarga sozinho", "meu cachorro late para o lado da cama onde meu marido costumava ficar" e "algum fantasma idiota me derrubou enquanto eu caminhava na rua" eram alguns dos pedidos mais comuns atendidos por essa gente.
Mas chegou um dia que acabou com o dinheiro fácil desses caras (que, em metade dos casos, não resolviam nada). Um dos invisíveis, o mesmo cara que apareceu no vídeo da Nova Zelândia, deu uma entrevista em um programa de TV famoso, em um canal de muita audiência. Na entrevista, ele falou que havia ficado invisível devido ao Cura-Tudo. Aquele era o único efeito colateral do remédio. E era verdade, como se foi descobrir algumas semanas de estudos depois. As pessoas começavam a desaparecer, literalmente. Alguma coisa na composição do remédio fazia a pele, órgãos, veias, artérias e todo o resto simplesmente desaparecerem. Claro, eles conseguiam tocar as coisas, fazer tudo normalmente. Só estavam invisíveis. E isso era irreversível.
Houveram protestos, rebeliões, brigas, preconceito contra os invisíveis. Grande parte da população não queria que essas pessoas afetadas pela invisibilidade andasse por ai, invadindo casas, roubando o que desse na telha deles, espiando as senhoras nos banheiros e todo o tipo de perversão que se pudesse imaginar. As mesmas pessoas que pensavam isso tinham medo, porque sabiam que iriam se transformar em invisíveis. Imagine só, ir dormir e acordar invisível. O desespero de não achar os próprios pés na cama.
Então, é assim que o mundo está atualmente. O governo consegue catalogar todos que já viraram invisíveis, eles concordaram em sempre andar de roupas e, em hipótese alguma, espiar as senhoras em banheiros ou em qualquer outro lugar onde se deva ter privacidade. Ainda há um pouco de preconceito aqui, mas não dura muito tempo. Eles sabem que também vão ficar invisíveis.
E, agora que você já sabe como funciona essa coisa, está na hora de começar esta história.
E ela começa, como toda boa história, com um cara bêbado, em um bar.
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Não Olhe Para Mim
HumorImagine um mundo onde todos são invisíveis. Não seria louco? Pessoas caminhando peladas pela rua e você nem veria. É nesse mundo que essa história se passa.