Lendas Vivas

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As antigas lendas da tribo dos Pacha, contava sobre seres sombrios que habitavam a floresta e as margens do rio. Transmitia-se através do tempo, velhos temores cantados ao som dos tambores, sobre o pior dos medos deste povo indígena - o demônio Amanam – ou Olhos da Noite, como os antigos o chamavam.

O céu borrado pelo sol da tarde que descia nos horizontes, trazia aos poucos o estranho receio dos mais supersticiosos. Maya, a pequena e destemida menina da aldeia dos Pacha, resolveu desrespeitar as ordens de sua mãe outra vez e partir com seu irmão mais novo, Rudá, adentrando a floresta.

Maya sempre foi muito corajosa, era a mais velha dos três irmãos da família. Ela acabara de completar treze anos. Rudá era o do meio com dez anos de idade e Teçá o caçula, com sete anos.

Yane - sua mãe - sempre dizia para não entrarem na mata quando o sol já se inclinasse no horizonte, eles poderiam ficar tempo demais e, assim que a noite caísse, criaturas antigas e espíritos da noite poderiam surgir em meio a escuridão.

Sempre que Maya argumentava sobre a existência dos tais espíritos da noite de que sua mãe falava, Yane acabava rebatendo e insistia em falar também das cobras e outros animais peçonhentos que habitavam o lugar.

Maya sempre desrespeitava avisos, talvez por ser muito teimosa, ou por que achava que estes espíritos eram apenas lendas antigas das quais na atualidade ninguém mais se importava. Na verdade todos na aldeia se importavam, tinham medo só de pensar, mas ninguém via nada, não haviam relatos de demônios ou seres noturnos.

Maya conhecia bem a floresta, passava boa parte da manhã brincando e colhendo frutas silvestres, nunca havia se perdido. Foi o desejo de colher algumas frutas que levou Maya a convidar Rudá para acompanhá-la naquele fim de tarde. Sabia que já estava além do horário de entrar na mata, mas ela tinha em mente que não iria longe. Por via das dúvidas, convidou Rudá para não levar bronca sozinha.

Teçá, quando viu que os irmãos sairiam para a mata, ameaçou contar para a mãe caso não o levassem com eles. Maya franziu a testa e olhou feio para Teçá, pediu que ele voltasse para a oca, mas o menino parecia irredutível. Apoiou os dois pés com força no chão e cruzou os braços. Maya desistiu de barrá-lo e finalmente concordou que Teçá os acompanhasse. O menino apanhou uma linda pena branca com a ponta azul que havia sido retirada do cocar de seu avô, em seguida correu para junto dos dois irmãos, carregando consigo a sua "pena da sorte".

Os três irmãos sorrateiramente afastaram-se da aldeia e adentram a mata. Maya fazia a frente, enquanto os meninos balançavam em cipós de antigas árvores que se erguiam da terra e abriam seus galhos acima das cabeças deles. Depois de um tempo de caminhada, chegaram até as raízes de uma imensa árvore que tinha sua copa tão alta como se tocasse as nuvens.

- Vamos tomar outro caminho! – disse Maya. – tem um caminho logo ali que eu nunca fiz antes.

Os galhos se entrelaçavam uns aos outros e a mata já estava cada vez mais densa. Um dos poucos raios de sol que penetrava a densidade das folhas criou um facho de luz que descia sobre Maya. Seus olhos grandes brilhavam castanhos como a casca de uma fruta de cupuaçu, os cabelos negros como uma noite sem estrelas caindo até os ombros, enfeitados de miçangas de várias cores.

- Vamos por aqui, Rudá! – Maya apontou o caminho sentindo-se uma experiente guia.

Partiram pelo caminho que Maya mostrou, com folhas secas estalando sob os pés. Aos poucos a floreta dissipava a luz do dia, criando uma sombra crescente que se tornava cada vez mais volumosa. Teçá já começava a reclamar de dores nas pernas, mas Maya seguia firme, desbravando a mata.

Olhos da NoiteOnde histórias criam vida. Descubra agora