Eu te suprico, sinhô, faz mal pra mim não, que eu só 'tava obedecendo ordem. 'Cê sabe bem que aqui nós não tem vez nem voz, que a gente só faz o que manda a gente fazê. Se errei foi pra não fazê desfeita pra dona sinhazinha, de quem gosto muito e só quero o bem. Ela também não tem culpa, mas a vida é assim, cheia de artimanha, que prega peça na gente e faz uma viravolta doida, igual vendaval. Eu disse pra ela. Deixa de esticá este oio pro espanhol. Isto vai dá certo não. Isto vai dá pobrema. Só que o coração é menino arredio e revolto, faz só aquilo que lhe dá na telha e mexe com a cabeça das muié. A sinhazinha respondeu que 'tava olhando nada, que não tinha nada c'o espanhol, mas acreditei meio que desconfiando, porque sou macaca véia e sei bem ver quando uma menina está c'os óios cheio de paixão. Quando a sinhazinha apareceu embuchada, ela veio até mim e disse.
Naná, eu 'tô com medo.
Medo do quê, sinhá?
Acho que 'tô grávida.
Vixe Maria, menina, vira essa boca pra lá! Grávida de quem?
Mas ela nem precisô respondê que já entendi tudo e imaginei toda a história. O espanhol era garboso, também mexia c'a cabeça das negrinhas, era uma coisa que só vendo! 'Tô defendendo o moço não, só 'tô falando aqui o que vi e ouvi. Qualquer pai faria o que o sinhô fez. Se não fazia, ao menos queria fazê.
A sinhazinha me pediu pra guardá segredo. Isto vai acabá mal, sinhazinha. Eu disse.
Eu e Enrique vamos fugir. Ela disse. Este era o prano dela. Fugir c'o espanhol pra cidade grande, pra longe do sinhô, pra poder tê o bebê e sê feliz. Quem não qué sê feliz, né?
Então mataram o espanhol e o bebê crescia no bucho da sinhazinha. O sinhô dizia aos quatro vento e pra todo o mundo ouví que ia matar o nenê que ia nascê. E isto não se faz não. Não se mata um bebê assim. Seu herdeiro?
E a sinhazinha andava toda macambúzia, pelos canto, chorando dia e noite. Vinha pro meu colo e dizia. Naná, ele devia ter me matado também. Pra quê continuar vivendo assim?
Deixa disto, sinhazinha. Eu respondia. A vida continua. Mas eu tinha um dó danado dela que me apertava o peito e me dava vontade até de chorá. Isto duma preta de já viu as maió desgraça nesta vida...
Os meses passaram e cuidei direitinho da sinhazinha. Ela é como uma filha pra mim, sinhô. 'Cê bem sabe que fui eu que cuidei dela desde pequenininha, dela e do seu filho. Se ela tem uma mãe neste mundo, essa sou eu.
Então ela começô a ter as dor e disse pra mim. Naná, acho que vai ser hoje.
Apertei a barriga dela e o nenê já 'tava virado, c'o bucho duro que nem pedra.
É, sinhazinha. O teu nenê já 'tá pronto.
O sinhô nem quis sabê de nada. Que morra! Vosmecê disse pra mim quando te dei a notícia. Que morra o bebê e a mãe!
Pegou suas traia e foi-se com seu cavalo pra sei lá onde. Chamei as outra negra que vinheram pra me ajudar. A gente preparô o quarto da sinhazinha e ela ficô lá se contorcendo toda, gemendo e gritando.
Calma, sinhá! Eu dizia, fazendo carinho nos cabelo dela.
A noite caiu e as dor ficava mais forte. A sinhazinha 'tava branca, tremendo e toda suada.
Vai demorar muito ainda, Naná?
Sei não, sinhazinha. Estas coisa só Deus sabe.
As cigarra já cantava lá fora e nada do sinhô voltá. Quando já era bem tarde da noite, a sinhazinha começou a empurrá. O bebê 'tava vindo!
Força, sinhá, força que teu nenê qué saí! Eu gritava, e ela fazendo uma força do tamanho do mundo.
O bebê nasceu bem, sinhô. Era um menininho lindo que só vendo. Branquinho, branquinho como a mãe.
A sinhá me pediu pra vê o bebê. Ela chorava. Deu um beijo na testa dele. Então me disse.
Naná, leve o bebê daqui.
Pra onde, sinhazinha?
Pra longe do meu pai. Ele vai matá-lo.
Mata não, sinhá. Teu pai é monstro não.
Ele é, Naná! Meu pai é um monstro. Leve o bebê daqui, por favor. Eu quero que ele viva...
Faço isso não. Eu disse. Depois sobra pra mim.
Deixe que com meu pai eu me entendo, Naná. Agora leve este bebê daqui.
Foi o que ela disse, sinhô, e foi o que fiz. Saí c'o bebê enrolado nuns panos, c'uma lamparina e corri pra fora da casa-grande, sem sabê o que fazê com ele. Pensei em levá pra senzala e cuidá dele como fiz da outra vez. Mas e se o sinhô quisesse cumprí a promessa? Eu ia arriscá ficá com o peso da morte deste nenê nas minhas costa? Lembrei, então, dos cigano. Corri até lá, mas já não tinha ninguém. Comecei a desesperá. Faço o que agora com este bebê? Foi quando vi uma luzinha piscando na estrada. Era a carroça dos cigano. Eles 'tavam indo embora. Corri atrás deles. Corri, corri e corri.
Espera! Eu gritava. Espera!
Então, a carroça parô. Eles tinham escutado.
Cheguei junto a eles quase morta de cansaço, c'o bebê nos braços. Pedi pr'eles levá o bebê embora, pra longe daqui, pra que pudesse vivê.
Esta é a história, sinhô. É tudo que tenho pra contá. Faz mal pra mim não, sinhô. Mata a Naná não, sinhô. A Naná sempre foi trabalhadeira. Cuidei de seus fio, cuidei do sinhô. Só fiz o que a sinhazinha pediu. Mata eu não.
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Inácia e o bebê
Historical FictionInácia conta ao Sinhô o que ocorreu com o neto dele. Trecho do romance "Os Selvagens que tocavam Sonatas de Beethoven".