Depois da janta, saiu de casa. Andou sem pressa até o sobrado azul, abriu o portão e tocou a campainha. A porta abriu. O queixo da mulher caiu. Tinha uma barriga grande. Cinco meses, ele sabia. Entrou, fechou a porta atrás de si e empurrou-a. Ela bateu as costas na parede. Filho dele tu não vai ter. Jogou-a no chão. Deu-lhe um chute nas costelas. Ela gritou. Ele a fez ficar parada. Ergueu o pé, colocou-o acima da barriga e sorriu. Não ligo. Pode chorar. Curtia o desespero da mulher. Baixou o pé com vontade. Um estalo alto. Mais força. Outro estalo. E mais um. Deixou-a sangrando, sozinha e atirada no parquê antigo.
Acordou com a porta de casa sendo arrombada. Levaram-no com as mãos amarradas e um pano preto na cabeça. Foi atirado numa espécie de celeiro. Tudo velho e escuro. Fedido. Continuou com os punhos presos e foi forçado a colocar nos pés um sapato. Era todo revestido com cacos de vidro — por dentro e por fora. Cortou a mão ao calçá-lo. Teve de andar de uma ponta do ambiente à outra. Sem parar, desgraçado. Anda mais rápido. Os pés sangravam. Quero ver você chutar mulher agora. Mais rápido! O dia foi, e a noite também. Tá mancando por quê? Outra volta. Outro dia. Outro mês. E o sangue não parava. Nem o homem. Nem os gritos da mulher. Nunca para. Não. Não para.
Nunca.
VOCÊ ESTÁ LENDO
sapatos que sangram
Short Storyum miniconto inspirado nos Refugees' Shoes -> http://www.seyocizmic.com