O Pássaro do Rei

Aquele era um dia importante, ela inspirava e expirava tentando forçar calma, iria precisar de bastante em breve. Bebeu mais água e deu tapinhas no peito, o músico ao seu lado rolou os olhos, ele já tinha visto aquela cena milhares de vezes, mas ela não tinha como se conter, o medo, a ansiedade e a empolgação uniam-se em um sentimento confuso que a fazia querer dar pulos e correr. Ela escutava as conversas e os risos e toda a euforia, estava quase na hora.

Shin Suk Won, uma simples mulher seria escutada por todos, sua voz alcançaria corações, mais do que em toda a sua vida. Ela subiu no pequeno palanque e algumas pessoas pararam para ver-lhe, a maioria eram crianças que puxavam suas mães para olhar a jovem nos trajes próprios para as festividades, era ano novo e junto com ele toda a vida de Suk Won estava renascendo, iria realizar um sonho. Ela inspirou e começou a cantar.

O músico a acompanhou e tudo se encaixava, não havia mais barulho ou pessoas conversando nem os comerciantes tentando vender suas lanternas, era apenas ela e o geomungo. O céu estrelado preencheu sua vista e quando terminou de cantar viu que tinha um público considerável e que lhe parabenizava por sua canção e voz, eles pediram por mais e mais crianças traziam seus pais e mães para perto, Suk Won sorriu graciosamente e cantou outra música.

A noite foi longa e ela saboreou cada minuto em que tinha a atenção que sempre sonhou, com pessoas a escutando pela sua voz sem se importar com família ou sua posição social.

Ela amou tanto aquilo que nem percebeu a presença da mulher que gerenciava sua vida.

Quando já era tarde e as lamternas começaram a serem ascendidas,  Suk Won caminhou entre os vendedores e as pessoas que andavam já com as suas em mãos, ela também queria comprar uma e a acender em nome de seu pai e mãe que estavam no reino dos espíritos como prezava a tradição do Seollal, ela observava as lanternas de papel com formatos únicos e pensava no pouco dinheiro que havia levado, era mínimo e não daria para comprar as duas lanternas que pretendia, os preços haviam aumentado naquele ano e ela não estava preparada. Em meio à sua frustração ela esbarra em algo e vê que quase derrubara uma menina, ela tinha o rosto sujo e suas vestes estavam encardidas. Suk Won abaixou o rosto para que ficasse à altura do da criança e lhe ofereceu um sorriso caloroso.

- Me desculpe.

A menina fez beiço e apenas virou o rosto, Suk Won se sentiu mal, talvez ela tivesse feito a menina se sentir inferior. Acompanhou a vista dela e observou o que a garota encarava, era uma boneca. Não, não uma boneca, era um animal, um dos ursos que comia bambu, feito de tecido, era gordo, grande e curiosamente agradável à vista. Ela entendeu que a menina o queria e se levantou, perguntou ao vendedor quanto custava e sentiu uma pontada no peito, era quase tudo que tinha.

- Você tem bons olhos, agasshi, esse boneco veio de terras além do mar. É único.

Ela não acreditava muito naquilo, mas comprou o urso. Quando entregou ele à garota ela o agarrou se curvou rapidamente e saiu correndo com um grande sorriso. Suk Won imaginou se ela talvez não conseguisse falar, como várias das crianças pobres.

Suk Won olhou para suas moedas restantes, suspirou e pediu desculpas a seus pais por não poder lhes oferecer algo além da tigela de arroz que havia ofertado no início do dia.

Na manhã seguinte ainda era período de festas, o segundo dia do Seollal teria os rituais de exorcismo dos espíritos ruins, para o ano começar puro, mas Suk Won devia trabalhar naquele dia.

Ela estava de volta ao Palácio, na cozinha preparando as comidas a serem servidas durante a noite, pois naquele dia o rei Sejo iria conduzir seu terceiro exorcismo como rei, todos os ministros e nobres e o general estariam presentes para assistir, talvez a própria Suk Won pudesse bisbilhotar o grande ritual do ano, nos anteriores foi impossível para ela como dama da corte, foi obrigada a permanecer na cozinha.