Primeiro Contato

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Tudo começou em meados de Junho, era madrugada e eu assisti um vídeo de um menino chamado Skylar. Ele havia feito um vídeo em comemoração de 5 anos em T e mostrava toda sua evolução. Desde o início, quando fez a cirurgia para retirar seus seios, enfim, tudo. Eu assisti aquele vídeo e minha mente pareceu acender, sabe? Como uma epifania. Pela primeira vez em muitos anos eu pensei: Ta aí, e se isso pudesse ser quem eu realmente sou? Sendo sincero? Eu não me lembro muito de metade do que houve depois disso. Eu só sei que eu fiquei mais ou menos uma semana tentando tirar essa hipótese da minha cabeça. 

Durante minha infância eu nunca senti como se me encaixasse. Brincava com todos os meus primos, soltava pipa, jogava futebol, odiava me vestir como "menina" (mas me vestia por conta da minha mãe). Eu dizia que se pudesse não teria seios, porque me incomodavam. Quando criança, eu já cheguei a chorar antes de dormir orando para que papai do céu me fizesse acordar como menino.

Eu não me encaixava. As pessoas simplesmente viam e me perguntavam se eu era "lésbica". Eu, hoje me descobrindo como pessoa, posso afirmar que sou 100% gay. Viado. Sabe? Eu sentia como se não pertencesse onde estava no momento. Sinto como se estivesse preso no meu corpo.

Eu sou diagnosticado com depressão grave e ansiedade alta, então nunca pensei que "não me encaixar socialmente" fosse por conta de outra coisa fora estas doenças. Mas após ver o vídeo do Sky eu comecei a martelar isto na minha cabeça.

"Daqui há 10 anos, onde quero estar?" "Quem eu quero ser?" "Eu vou estar feliz desta maneira?" "O que eu poderia fazer para ser feliz?" "Como eu poderia mudar?"

E me imaginar como um homem de 25 anos, barba recém-feita, um pouco mais alto (admito, pois sou muito baixinho e odeio isso) e vestindo roupas que me agradam me fez feliz! Eu não sabia o porquê, mas me agradava a chance de ser pai e não mãe. De ser quem eu realmente sou, um menino! Isto era o segredo para minha felicidade. Então eu decidi me assumir (ou quase) para meu primo (quase irmão).

Quatro da manhã (eu meto o pé, rs), todos em casa dormindo. Nós dois na sala conversando sobre coisas aleatórias. Eu pensando se deveria ou não contar (a crise já havia passado, eu não tinha mais certeza). Eu tentava. Juro que tentava. Mas toda vez que eu dizia "tipo" minha garganta se fechava. Eu queria chorar. E isto era algo novo pra mim. Nunca pensei que seria tão difícil assim.

Após dar uma enrolada, o lembrar da nossa infância juntos (ele tem praticamente a mesma idade e crescemos juntos), eu comecei a dizer tudo que eu sentia de uma vez. Foi embolado, mas ele ouviu tudo segurando minha mão. No final ele riu sem saber o que dizer e começou a me perguntar algumas coisas simples. Eu expliquei tudo que sabia.

No dia seguinte eu tive uma crise existencial, porque eu não queria falar em voz alta o que estava pensando porque tinha medo de tornar real.

E desde então eu venho mastigando essa ideia. Hoje devo dizer que estou 99% aceito com quem eu sou. Mas ainda há muitas dúvidas. Há dias em que choro sem saber o que fazer. Sem saber quem eu sou. Quem quero ser. 

Um filho? Ou filha?

Um irmão? Ou irmã?

Um sobrinho? Ou sobrinha?

Um neto? Ou neta?

Primo? Prima?

Tio? Tia?

Pai? Mãe?

Tudo o que sei é que estou lutando como o inferno para me aceitar totalmente, para assim finalmente ver pessoas me aceitando. E para que, independente de quem eu escolha ser, eu seja feliz.

Ainda há um longo caminho pela frente.

♂ i am a trans boy ♂Onde histórias criam vida. Descubra agora