O Engano

16 2 0
                                    

Caminhava pelas ruas, talvez procurando uma explicação, por menor que fosse, para o que havia ocorrido naquele apartamento. Meu sangue corria de uma maneira frenética por minhas veias, e me lembrava do que eu queria algo tão terrível. Meus olhos procuravam nas pedras das calçadas vestígio de outras pessoas, que assim como eu, tivessem cometido tão brutal assassinato, talvez algo como pedaços de corpos?! Meu Deus, eu já estou delirando. Mas eu sei que não sou o único capaz de matar outra pessoa. Tantos já tinham feito e tantos ainda fariam, que eu poderia ser somente mais um número na estatística que a Retrospectiva do Ano iria mostrar.

Tinha conhecido Clara havia quatro meses. Estava num bar próximo a Marien Platz em Munique, eram quase onze horas da noite, o bar já ia fechar estávamos conversando e ela me falou de um pequeno local que ela conhecia, ficava do outro lado da cidade e costumava ficar aberto até às quatro da manhãs Naquela noite fria de janeiro, achei que não seria nada interessante ficar em meu apartamento sozinho. Concordei e saímos dali em direção a minha salvação naquela noite.

Enquanto caminhamos entre os montes de neve acumulada na calçada, ela me contava um pouco de sua vida. Na verdade, nada de especial, apenas trabalho e amizades fúteis, tinha terminado com o namorado há três semanas, e desde então nunca mais o vira. Falei um pouco de mim... Não! Na verdade, lhe falei o que seria uma pessoa que ela esperava encontrar, decidi encenar o papel de homem ideal para aquela mulher Clara era bonita, tinha longos cabelos loiros que lhe caiam por cima dos ombros, e belos e grandes olhos verdes, seus lábios eram grandes e carnudos e estavam vermelhos, muito mais pelo frio do que pelo resto de batom que insistia em continuar em sua boca. Sua face também estava rosada do frio, e seu sorriso lhe dava um ar completamente infantil naquele corpo de mulher. No meio do caminho, decidimos não mais ir ao bar, seguimos direto para o apartamento dela.

Pegamos o último metrô, e descemos perto do Olimpiazentrum. Ela, achando que eu era um turista, como vários outros que estavam em Munique naquela época, insistia em me ciceronear, e me explicava tudo a respeito de todos os pontos turísticos de Munique, falava com especial orgulho dos carrilhões da torre da Prefeitura, que ela havia ajudado a restaurar alguns anos atrás.

Quando chegamos em seu apartamento, ela me serviu Schnapps, uma espécie de cachaça de cereja que se bebe com cerveja, e ficamos bebendo e conversando por mais algum tempo.

Na manhã do dia seguinte, quando acordei, Clara já havia se levantado e estava fazendo um café, vesti minha camisa e fui em direção da cozinha, ela estava ainda mais bonita que na noite anterior, a luz do sol naquela manhã fria entrava pela janela e lhe iluminava os cabelos, Clara vestia um roupão de seda branco, com um fio dourado que emoldurava todo o roupão, e quando Clara andava, parecia flutuar sobre seu corpo, como se fosse uma nuvem envolvendo suavemente um anjo.

Pegou uma caneca no armário acima da pia, colocou o café, e me entregou. Quando fui pegar toquei seus dedos para poder acreditar que aquela visão era real, e não, fruto de minha imaginação.

Ah, quando me lembro dessas cenas, quando me lembro do seu rosto naquela manhã de inverno. Não consigo ainda aceitar a realidade, talvez nunca consiga.

Olhava para a foto que eu tinha na carteira, talvez nunca tivesse conseguido captar toda a beleza daquela mulher através de uma lente, talvez nunca conseguisse. Meus sonhos foram destruídos. Eu os tinha destruído. Entrei em um bar e pedi um chope, o barman me olhava estranho e perguntou se eu estava me sentindo bem, eu o conhecia a bastante tempo, sempre frequentava aquele bar, respondi que sim com um movimento de cabeça e comecei a beber, o chope estava quente, nada bom para as noites de Belém, talvez bom para Munique, no inverno, mas não para uma noite quente de verão em Belém do Pará. Na verdade, o que menos importava naquela hora era a temperatura do chopp. Eu precisava ser visto por pessoas que me conheciam, talvez não se lembrasse da hora exata, e caso eu fosse procurado pela polícia, teria um álibi, não muito bom, verdade, mas teria. Meu Deus, a polícia, ele havia me perguntado se eu estava me sentindo bem, e se ele falar à polícia que achado estranho naquela noite?! Lhe chamei e pedi um remédio pra dor de cabeça, eu sabia que num bar não teria remédios, mas precisava disso para dar uma desculpa para o meu estado de espírito naquela noite, eu que sempre estivera lá tão alegre, tão sorridente, precisava de uma boa desculpa, e nessas horas nada melhor que uma dor de cabeça. Ele não tinha o remédio, e então comecei a falar que a dor de cabeça era por preocupação com Clara. Lhe falei que ela havia saído sozinha e que até aquela hora ainda não tinha voltado, e que, como não conhecia a cidade muito bem temia pelo que poderia ter acontecido com ela.

O EnganoOnde histórias criam vida. Descubra agora