CAPÍTULO 1

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1 de Dezembro de 2017

A árvore de natal

Estou olhando para a árvore no meio do Parque Central. Pelo vento e tom da noite, estamos falando de mais ou menos 20:00 horas. O pisca-pisca entrelaçado nela deu um domínio a paisagem, fico totalmente boba. Fico boba com a forma que conseguiram decorá-la tão bem. E é incrível como cada toque é nescessário.
Por um momento fico imaginando como seria se tirassem a pendurada meias colorida com o Papai Noel engraçado desenhado nela. Ficaria tão sem graça. Insípido, quero dizer.
Ou então, se tivessem colocado dezoito bolinhas de natal vermelhas ao invés de dezessete, e dezessete douradas ao invés de só quize. Não seria a mesma árvore.
Eu sei que provavelmente eles não devem tê-la feito de forma voluntária, e que cada unidade tinha seu determinado lugar. Mas, às vezes as coisas ficam tão bem sem serem pensadas, Sendo simplesmente consequências, que se a tirarem dali por um segundo, ela fará muita falta.

Ela me faz muita falta.

Track #334

Pronto. Terminamos aqui.

Pego minha mochila e vou pra casa. No caminho penso em tudo o que poderia acontecer de errado: eu poderia ser atropelada pelo carro vermelho se tivesse se demorado um pouco mais para atravessar, ou simplesmente ter escorregado na casca de banana que acabei de desviar e colidir de forma que batesse minha cabeça tão intensamente que nunca mais acordasse.
Mas para meu azar eu estava ali. Tinha acabado de chegar.

As casas do Estados Unidos não são mesmo essa coisa toda. Na minha opnião elas são bem sem graça. Insípido, quero dizer. Na verdade tudo aqui pra mim é maçante e completamente diferente. Não estou acostumada com tantas mudanças. Para mim líderes de torcida e caras com aquelas jaquetes do time só existem nos filmes Teens da televisão. Uma vez - duas. Três, talvez- dei um murro na cara do entregador de pizza por entregar na porta de casa. É bem difícil. Quero dizer, é horrível estar em um lugar onde nada lhe parece um propósito. E com certeza não foi isso o que pensei quando decidi vir.

Eu não tenho vontade de entrar, não tenho vontade nem mesmo de saber que essa é minha casa. Eu odeio saber que estou aqui.

Prefiro ouvir Lisa dizendo pela 49° vez: vocês vivem de sonho mesmo, Anne.

Pelo menos, se ainda fosse assim, eu poderia fechar os olhos agora e abrir em outro mundo. Ou talvez em outra época. Quando ela ainda estava aqui. Quando ainda eramos " nós duas".

...

Fecho a porta atrás de mim e deixo as compras na mesa. Ovos, muito donuts, cereal e dois potes enormes de maionese. Peraí. Eu odeio maionese! Ai meu Deus, eu fiz isso de novo.

Desde que Holly morreu isso se tornou algo normal. Uma vez saí para ir a padaria e voltei com Xarope e genérico na mão. Se estivesse aqui ela diria: você não tem jeito mesmo Anne. Aí eu faria cara de teimosa e acharia algum argumento para discordar, porque era sempre assim.

Tento parar com meus pensamentos, antes que eu acabe lá de novo, falando com o cara da farmácia sobre como estava andando " sem rumo " aquela tarde e precisava de algo para " acalmar".
- Você sabe, acontece nas melhores famílias.
Ele sorri e assente como quem quisesse fingir que sabia totalmente do que eu estava falando. Eu queria dizer pra ele que tudo bem. Nem eu mesma sabia.

Na verdade, eu queria é dizer muitas coisas para mim. Queria dizer que eu podia seguir em frente, que eu podia viver sem minha melhor amiga do lado, que Holly foi apenas algo bom. Mas um lado de mim sabia que ela não tinha sido apenas o " lado bom" mas todos os lados. Ela estava em todo lugar, eu podia contar com ela. Ela era tipo Jesus. Eu podia me abrir com ela quando quisesse e qualquer hora. E em qualquer lugar.
Só que o problema é que um lado, talvez um pedacinho de mim, ainda queria desesperamente que eu conseguisse olhar para outros cantos e enxergar mais do que aquilo.
Eu pensava nisso enquanto terminava de preparar algo para comer.
Mais tarde, fui tomar um banho e olhei para o espelho, minhas olheiras já não eram mais só parte de meu rosto, mas eu sabia que também de tudo o que vinha vivendo esses dois anos. Eu tentava fingir, e eu era boa nisso. Sorria para todos, e tinha o dom de falar sobre algo que nem eu mesma estava escutando. Mas haviam marcas, que só eu conhecia. E eu não estou falando de olheiras.

4 de Dezembro de 2017

Trabalhar de garçonete não era bem o que esperava quando tinha oito anos e brincava de boneca com Holly. Ela como sempre queria ser aeromoça e tentava de todo jeito incluir um avião da Virgin Aerea na brincadeira. Eu sonhava com tudo, para mim tendo grana para viajar em todos os aviões com ela já era o bastante. Mas é claro que nunca ousei contar isso a ninguém. Quando indagada eu sempre mencionava algo qualquer como atendente de padaria ou garçonete. E acabou que meu desejo se realizou. Parabéns Anne Wright . Ótima escolha.

Estou amarrando o avental e sorrindo para o espelho. Não que eu goste do que vejo. Não gosto mesmo. Mas o Sr. Wilson me disse para ensaiar minha " simpatia" com os clientes. E o melhor que tenho a oferecer depois de um dois dias comendo esse porcaria enlatada - mas prática - dos EUA, é um sorriso. Como disse sou expert com eles, só costumo esquece-los de vez em quando.
Ótimo, Anne. Você está pronta.
Ou quase pronta. Pego a foto de Holly, o bloco de notas e caneta e os enfio no bolso do avental. Tranco a porta e saio pelas ruas de Dayver. No caminho abaixo a cabeça e tento treinar sorrindo para o chão, passo pela árvore de Natal do Parque Central, e desta vez sorrio de verdade. Percebo o quanto fico melhor assim. Em todos os aspectos. Queria que ele viesse mais vezes. O sorriso. É tão bom.

...

- Ensaiou? - ele tinha mesmo que ser tão cobrador?
- Sim, sr. Wilson.
- Que ótimo, Anne. Deixe-me ver.
- O quê?
- O sorriso.
Arregalo um pouco os olhos. Oro para que daqui a pouco ele sorria e diga que está brincando e que eu era boba em acreditar.
- Vamos, não vai querer que os clientes digam que você se demora para atendê-los.
Não, Anne. Ele não está brincando.
Engulo em seco, aliso um pouco o uniforme e pigarreio. Olho para baixo e derrepente mostro uma coleção de dentes escovados pela manhã com o rosto de alguém que está prestes a sair correndo. Otima combinação. Mas era o que eu tinha para aquela hora.
Ele não diz nada. Apenas se vira de costas e faz sinal para que eu comece a trabalhar.

Sr. Wilson é um homem cobrador. Sobretudo determinado, e totalmente admirável. Ele é o tipo de homem que não parece ter uma vida longe do restaurante, não parece sorrir mas sabe reconhecer uma boa piada. Ele realmente parece o tipo de homem que faz tudo certo, na hora certa, da maneira certa.

Eu trabalho aqui desde que me mudei para cá. Desde que meu pai falaceu e eu herdei a casa. Holly havia acabado de falecer, eu tinha dezoito anos e decidi que era uma boa hora para me afastar de minha mãe e de Lisa no Brasil. Na verdade era uma boa hora para se afastar de tudo.

Vou até a mesa três, onde uma senhor de cabelos grisalhos se senta.
-Welcome to Wilson's! - Digo ajeitando o uniforme, tentando adaptar meu ilustre sorriso forçado.

Acho que ele percebe minha força pra tentar me encaixar naquele momento. Porque com certeza agora estou me vendo com o avental abarrotado e a escolha que fiz a dois anos atrás. Deixar tudo em Santa Cruz, deixar minha mãe, deixar Lisa. E também no que não pude escolher: deixar Holly. E antes de o cliente dizer qualquer coisa, dou um sorriso tão grande que consigo ouvir seus pensamentos. Pois é, Senhor de Cabelos Grisalhos, eu também não sei o que estou fazendo aqui.


PARA SEMPRE ANNE - Daniela SorattoOnde histórias criam vida. Descubra agora