CAPÍTULO 15

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     Vou levá-la, D..., à mesma casinha do Morro de Santa Teresa onde começou esta pequena história.

     São dez horas da noite. Penetremos no interior.
D. Maria acabava de recolher-se, depois de ter beijado sua filha; toda a casa estava em silêncio; apenas havia luz no aposento de Carolina.

     Esse aposento era a mesma câmara nupcial, onde cinco anos antes aquela inocente menina adormecera noiva para acordar viúva, no dia seguinte ao do seu casamento.

     Nada aí tinha mudado, a não ser o coração humano.
Cinco anos que passaram por esse berço de amor, transformado de repente em um retiro de saudade, não haviam alterado nem sequer a colocação de um traste ou a cor de um ornato da sala.

     Apenas o tempo empalidecera as decorações, roubando-lhes a pureza e o brilho
das coisas novas e virgens; e a desgraça enlutara a rola, que se carpia viúva no seu ninho solitário.

    Carolina estava sentada na conversadeira onde na primeira e última noite de seu
casamento recebera seu marido, quando este, trêmulo e pálido, se animara a transpor o limiar desse aposento, sagrado para ela como um templo.

     Justamente naquele momento, esse quadro se retraçava na memória da menina
com uma força de reminiscência tal que fazia reviver o passado. O seu espírito, depois de saturar-se do amargo dessas recordações, desfiava rapidamente a teia de sua existência desde aquela época.

     Quer saber naturalmente o segredo dessa vida, não é, minha prima? Aqui o tem.
Nos primeiros dias que se seguiram à catástrofe, Carolina ficou sepultada nessa
letargia da dor, espécie de idiotismo pungente, em que se sofre, mas sem consciência do sofrimento.

     D. Maria e o Sr. Almeida, que a desgraça tinha feito amigo dedicado da família,
tentaram debalde arrancar a moça a esse torpor e sonolência moral. O golpe fora terrível; aquela alma inocente e virgem, bafejada pela felicidade, sentira tão forte comoção que perdera a sensibilidade.

     O tempo dissipou esse letargo. A consciência acordou e mediu todo o alcance da
perda irreparável. Sentiu então a dor em toda a sua plenitude, e à profunda apatia sucedeu uma irritação violenta. O desespero penetrou muitas vezes e assolou esse coração jovem.

     Mas a dor, a enfermidade da alma, como a febre, a enfermidade do corpo, quando não mata nos seus acessos, acalma-se. O sofrimento em Carolina, depois de a ter torturado muito, passou do estado agudo ao estado crônico.
Vieram então as lágrimas, as tristes e longas meditações, em que o espírito evoca
uma e mil vezes a lembrança da desgraça, como uma tenta que mede a profundeza da chaga, em que se acha um prazer acerbo no magoar das feridas que se abrem de novo.

     A pouco e pouco o que havia de amargo nessas recordações se foi adoçando: as
lágrimas correram mais suaves; o seio, que o soluço arquejava, arfou brandamente a suspirar. E, como no céu pardo de uma noite escura surge uma estrela que doura o azul, a saudade nasceu n’alma de Carolina e derramou a sua doce luz sobre aquela tristeza.

     Tinha decorrido um ano.
Começou a viver dentro do seu coração, com as reminiscências do seu amor, como uma sombra que sentava-se a seu lado, que lhe murmurava ao ouvido palavras sempre repetidas e sempre novas.

     Sonhava no passado; diferente nisso das outras moças, que sonham no futuro. Mas um coração de 15 anos é um tirano a que não há resistir; e Carolina não contara com ele.

     Quando uma planta delicada nasce entre a sarça, muitas vezes o fogo queima-lhe
a rama e o hastil; ela desaparece, mas não morre, que a raiz vive na terra; e às primeiras águas brota e pulula com toda a força de vegetação que incubara no tempo de sua mutilação.

A viuvinhaOnde histórias criam vida. Descubra agora