As manhãs de terça e quinta eram sempre maravilhosas e haviam melhorado ainda mais desde que Caíque ganhara o direito de levar uma mochila com roupas e produtos de banho para a escola de artes. Não precisava fazer malabarismos para esconder o macacão e a sapatilha, seguir com as desculpas para suar tanto durante as aulas de bateria, nem perder metade do almoço para se arrumar para o colégio. Quando o pai passava para buscá-lo, sempre atrasado, ele já estava de uniforme, pronto para comer a comida que dona Lourdes fazia – porque sua mãe odiava cozinhar e trabalhava fora a manhã toda –, pegar a mochila e passar a tarde no pequeno inferno que era sua sala de aula.
Caíque podia lidar com o inferno depois de passar horas incríveis na escola de artes. Apenas sexta-feira era o dia que parecia o mais triste de todos, com sua única manhã completamente livre, mas ele tentava se lembrar de que era apenas o último dia antes do final de semana. Logo teria almoços com a avó, longas tardes de música e a sessão ursos de gelatina com Melissa. Tudo se desenrolara bem pelas primeiras semanas depois da grande ideia que seu pai lhe dera de tomar banho após a suposta aula de bateria. Isso até o dia em que ele não pôde buscá-lo, e Caíque viu o carro da mãe estacionado lá na frente.
Abraçado na mochila, com um sentimento ruim de que algo daria errado, ele se sentou no banco de trás. Os irmãos ocupavam o assento à sua direita e o do passageiro ao lado do motorista.
— Caíque! — eles gritaram ao mesmo tempo e balançaram as mãos na frente do nariz. A mãe sempre dizia que isso era coisa de gêmeos, mas já fazia um tempo que ele desconfiava de que os dois haviam apenas batido muito forte a cabeça uma na do outro quando dividiam o berço.
Desta vez, no entanto, não tardou a entender que a implicância não tinha apenas o intuito de implicar. Quando a mãe colocou o rosto entre os bancos e olhou diretamente para ele, Caíque engoliu forte e esperou para descobrir o que estava acontecendo.
— Tem um bicho morto na sua mochila, ou é você? O que tá carregando aí dentro?
— Roupas — respondeu com o pouco de voz que conseguiu juntar; o pulmão fechado atrapalhava o processo da fala.
— E você tomou banho direito? — A voz estridente da mãe fez com que ele balançasse a cabeça em um sentido afirmativo bem enfático. — Coloque isso tudo pra lavar assim que chegar em casa.
Caíque assentiu outra vez, em silêncio, e esperou que ela saísse com o carro para voltar a abraçar a mochila. Sabia que seu macacão não estava cheirando bem já fazia algumas aulas, mas o pai nunca havia reclamado disso. Agora precisava encontrar alguma coisa que estivesse cheirando muito mal para colocar para lavar no lugar dele, mas não sabia como poderia usá-lo novamente sem que as meninas começassem a sentir nojo, sem que levasse uma bronca da professora ou, pior, sem que os pais começassem a desconfiar de alguma coisa.
Correu escadas acima sob os gritos da mãe para que colocasse a roupa para lavar. Entrou no quarto e pegou a camiseta que havia usado para ir até a aula da manhã. Esfregou-a bastante no suor do macacão, antes de enfiá-lo debaixo da cama. Depois levou a camiseta e o restante da roupa da manhã até a área de serviço, onde deixou com dona Lourdes, que estava tirando um bolo de roupas da máquina enquanto ficava de olho nas panelas em cima do fogão e preparava um balde com produto de limpeza para passar no chão da cozinha após o almoço, como sempre. Para ele, ela era como a Mulher-Maravilha. Tinha certeza de que costumava vê-la com três ou cinco braços quando era mais novo e passava as manhãs em casa, sem fazer nada, apenas assistindo a desenhos enquanto a via limpar cada canto das paredes.
A boa notícia era que ela vinha limpando seu quarto todas as manhãs, desde que começara a passar a maior parte delas fora. Assim, ela não seria a primeira a entrar nele, sentir o cheiro rançoso e encontrar o macacão escondido. Com um pouco de sorte, a mãe estaria ocupada demais naquele dia para voltar para casa mais cedo e decidir entrar em seu quarto por motivo nenhum. Confiando nisso, foi para a escola pensando no uniforme de dança. Imaginava que assim estaria cuidando dele para que ele ficasse protegido dos intrusos que poderiam colocar tudo a perder.
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Ele quer dançar
Teen FictionCaíque não sabe muito sobre si mesmo. Ele nasceu em uma família típica da cidade de interior onde vive, com dois irmãos mais velhos que pensam em videogame, luta e meninas a todo o tempo, e divide o recreio com Danilo e os outros amigos da escola. I...