Na praça dos frondosos jacarandás mimosos tomados por um maravilhoso roxo – praça localizada no tradicional bairro da Mooca aqui da nossa magnífica São Paulo – fica o consultório do doutor Haroldo, famoso no bairro por suas consultas psiquiátricas. Na fachada, palavras douradas contrastando com um fundo azul indicam o local, assim como uma antiga samambaia a adornar o portão social. Mas nada disso possui maior importância ou fama quando comparado com o divã do doutor – um divã fabricado com pau-brasil mais couro bovino na cor marrom costurado à mão – no qual Haroldo clinica já há trinta anos... Anos anotados no diário do doutor: lágrimas, vícios, dor... Tantas histórias, tudo, tudo foi anotado... Algumas são amargas, assombrosas, outras maravilhosas, mas são histórias únicas com uma única causa: a alma humana corrompida por paixão...
Para iniciar, vou contar a história da dama da varanda branca; foi um caso singular para o doutor...
Num dia um pouco cinza, nublado por cumulus nimbus, surgiu no consultório uma idosa distinta, procurando – para a sobrinha – ajuda com o doutor.
– Como posso ajudá-la, dona Maria?
– Minha sobrinha passa os dias na varanda, doutor, trancada na dor, na amargura... O marido a controla... Vim solicitar a tua ajuda; vá lá, por favor, divida algumas palavras com a minha sobrinha... Ouça-a... Faça alguma coisa para tirá-la da varanda, doutor, por favor...
– Não costumo clinicar fora do consultório, dona Maria, mas...
– Por favor, doutor! Por favor...
– Mas a tua solicitação foi muito incisiva, muito franca, por isso, vou procurar ajudá-la. Amanhã, dou uma passadinha na casa da tua sobrinha.
– Obrigada, doutor... Obrigada...
– Disponha...
Na rua oito, da Mooca, há uma casa azul com uma varanda branca na qual Frida passa a vida: do quarto para a sala, da sala para a cozinha, da cozinha para o quarto... A sua rotina pacata mostra uma vida sacal, monocórdia. Há muito não sai para a rua, coabitando só com dois animais – o cachorro Ralph mais o gato Luli –, pois o marido pouco dá as caras por lá, mas, quando sai, tranca as portas para garantir a não saída da patroa.
Só sobra à Frida, como contato com o mundo, como socialização, a varanda branca. Uma varanda linda – suportada por colunas jônicas –, adornada com samambaias, rosas, lírios, mais algumas plantas. Ali, a tristonha dama passa as principais horas do dia; dali capta o dia-a-dia da vila, da vizinhança, dos andarilhos... Sua rotina não muda, a vida futura ficará como a passada, os dias da distinta dona são todos iguais: logo no início da manhã, Frida molha as plantas, toma o chá matutino acomodada num rústico banco acolchoado com lindas almofadas na cor laranja. Aí fica olhando o cotidiano dos outros, sua única distração... A toda hora imagina uma vida para si, não importa qual, só uma vida distinta da sua.
Frida ambiciona o sorriso da criança a brincar com uma bola murcha; cobiça as copiosas gargalhadas do dono da quitanda; admira o formoso caminhar da dona Clara, quando passa todos os dias para ir trabalhar calçando lindos saltos altos rubros.
A praça com lindas frondosas floridas a chama, mas não há autorização para Frida sair; o pôr-do-Sol a convida todos os dias, mas isso só traz mais dor, pois não há autorização para Frida sair; o marido jamais outorgará, só a vida na varanda... Frida olha, Frida nota, Frida cala... Possui ainda alguns sonhos, mas a solidão vai pouco a pouco minando todos, um a um... A vizinhança já a qualificou como a dona do olhar tristonho... Todo mundo olha, todo mundo fofoca, alguns falam bom dia, mas Frida continua sozinha...