Capítulo 1

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Virei mais uma das páginas do diário de meu pai. Seu gabinete ainda tinha seu cheiro característico; café, que ele tomava aos montes, e livros. Meu pai estava sempre lendo, não importa se era um documento, um livro, ou mesmo uma história para eu dormir quando mais nova. Ele estava sempre lendo. Agradeço ter herdado isso dele, essa paixão por ler. Por passar muito tempo com ele, comecei a ler as mesmas coisas, lembro até mesmo de passar horas trancada, aqui mesmo, em seu gabinete. Meu pai sendo um líder e eu ao seu lado brincando de ser um também.

Enxuguei as lágrimas antes que elas pudessem cair nas páginas de seu diário e arruinar tudo. Olhei seu gabinete, ainda com sua característica bagunça, quase podia vê-lo de pé, procurando um livro, fazendo ligações, trabalhando, como sempre. Mas já fazia uma semana que meu pai havia falecido, uma semana que o reino de Bryndar havia perdido seu rei.

Acho que o mais incrível de ser uma princesa é o fato de seu pai ser um rei. Um rei. Daqueles que governam mesmo, que mandam, que são donos de um reino. Sempre que alguém precisava de algo procuravam o meu pai, meu pai era o cara, todos gostavam dele, eu acho, apesar de papai dizer que era um cargo muito perigoso. E o mais incrível é que apesar de ele cuidar de todo o reino, ele ainda tinha tempo para ser meu pai, e ele era o melhor pai do mundo.

Eu não tenho irmãos, não de sangue pelo menos. Minha mãe morreu alguns anos após eu ter nascido, afinal ela faz parte da estatística. Meu pai faz parte da linhagem que não é atingida pela estatística, logo eu também não serei atingida segundo os exames. Mas mamãe não teve essa sorte, ela era filha de dois estáticos. No mundo em que vivemos os estáticos tem uma expectativa de vida muito baixa, muitos morrem no nascimento e os que conseguem viver geralmente chegam na casa dos 20 anos até o momento em que simplesmente definham sem causa específica. Os que não são estáticos, como meu pai, se tornam grandes nobres. A regra é clara, estáticos ficam com estáticos e nobres ficam com nobres. Meu pai quebrou essa regra e eu fui fruto desse amor proibido. A história toda é muito romântica, tirando o fato de eu não ter uma mãe e nem irmãos, já que meu pai se recusou a amar outra mulher depois que minha mãe morreu.

Ivana entrou apressada no meu gabinete, tirando-me de meus devaneios.

-- Aragon – Ela pronunciou meu nome quase como uma súplica.

Ivana é quase uma mãe pra mim. Assistente e braço direito do meu pai. Sempre esteve por perto e sempre cuidou de mim, não como uma mãe cuidaria, mas quase isso.

-- Você sabe que está na hora. Precisa fazer seu pronunciamento.

Pronunciamento. Precisava ir a público e de alguma forma oferecer algum consolo ao povo, enquanto eu mesma definhava aos poucos sem o apoio de meu pai. Precisava ser forte por eles e para eles. Precisava ser forte por meu pai, que fazia tudo pelo seu povo e para seu povo.

Peguei o diário de meu pai e enfiei em um dos bolsões escondidos do vestido. Ivana arrumou meus cabelos em um penteado simples e fez uma maquiagem suave em mim, apenas para cobrir levemente as enormes olheiras que aquela semana de luto havia deixado em mim. Enquanto eu andava pelo castelo, evitava os olhares dos criados. Alguns exibiam um olhar de chora, outros de pura pena da princesa que perdera o pai. Princesa não, rainha. Essa palavra que pesava no fundo do meu estômago.

Havia me preparado para esse dia. Eu estudava, aprendia com meu pai sobre como era governar um povo, mas nunca esperava ter que assumir seu lugar tão cedo, nunca esperava que meu pai morresse um dia. Ok, eu sei que todo ser humano morre, ainda mais em nosso mundo em que todo mundo morre o tempo todo, mas meu pai era imortal pra mim. E eu não queria ser rainha, não quando isso significava que meu pai não seria mais o rei.

Ivana me acompanhava até as carruagens que já nos esperavam na frente do castelo. Todas muito bem escoltadas, para garantir a plena segurança da Rainha de Bryndar. Precisávamos ir até o auditório localizado no centro da capital, um local feito especialmente para pronunciamentos da corte. A população já estaria nos esperando, ávida por qualquer pronunciamento da nova rainha.

As ruas ao redor do castelo pareciam tristes, como se até mesmo os blocos de concreto que compunham a cidade estivessem sentindo a falta de seu rei. Os estabelecimentos estavam fechados e exibiam faixas pretas na frente, como forma de compartilhar o luto que a família, eu, sentia. Limpei uma lágrima intrusa de minha bochecha. Não seria fraca agora. Não deixaria a dor acabar comigo. Não podia deixá-los sozinhos. Precisava encontrar a cura, era o sonho de meu pai, e agora o meu. Salvaria meu povo, salvaria o mundo da maldita estatística que os abalava.

Ivana sorriu pra mim, sentada ao meu lado, tentando me dar um pouco de coragem. Esbocei um sorriso, não um dos meus melhores, no entanto que fosse satisfaze-la. Chegamos ao auditório, via e ouvia a multidão, estavam agitados.

Nossa população era basicamente composta por jovens e crianças. Muitas crianças. Havia alguns mais velhos, que lutavam contra a estatística, mas fora isso, nossa população era demasiadamente jovem. Pessoas da minha idade. E uma quantidade imensa de crianças órfãs, crianças que nasciam para verem seus jovens pais serem varridos da existência sem explicação. Mesmo com a quantidade de pessoas que ainda viviam, se não achássemos a cura logo não haveriam mais pessoas suficientes para a existência de qualquer reino, fossem elas crianças, jovens ou adultos.

Desci da carruagem e senti cada olhar que me despia, me avaliava, que perguntava se eu era capaz de ser aquilo que um dia meu pai fora, e decidi que eu daria tudo de mim para ganhar a aprovação daquelas pessoas, faria de tudo por eles e venceria a maldita estatística.

Q4:

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⏰ Last updated: Dec 06, 2017 ⏰

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A Estatística - O Despertar de AragonWhere stories live. Discover now