PARA TRADUZIR OS TEXTOS de Schopenhauer, um poliglota e um estudioso da linguagem com uma visão muito crítica acerca do exercício da tradução, é preciso deixar de lado sua recomendação: "Escreva seus próprios livros dignos de serem traduzidos e deixe outras obras como elas são".[1] Essa recomendação se baseia numa valorização do estudo das línguas, especialmente das línguas clássicas, o grego, o latim e também o sânscrito, que o autor considera muito superiores às línguas modernas. (Apenas o alemão poderia concorrer com elas, enquanto as outras principais línguas européias não passariam de dialetos.) De acordo com a concepção da linguagem exposta por Schopenhauer, "todas as traduções são necessariamente imperfeitas"[2], pois as expressões características, marcantes e significativas de uma língua não podem ser transpostas para outra. Por trás dessa crítica aos tradutores está a noção de que cada língua possui palavras específicas que expressam determinados conceitos com muito mais precisão do que todas as outras línguas. Assim, ao aprender uma língua, estaríamos ampliando e refinando nosso acervo de conceitos, da mesma maneira que, ao traduzi-la, muitas vezes substituiríamos as palavras exatas que expressam certo conceito por palavras apenas correspondentes, mas imprecisas. Essa maneira bastante polêmica de criticar o exercício da tradução é característica do estilo do autor nos cinco escritos que compõem esta coletânea. Todos eles foram retirados (e traduzidos!) do livro Parerga und Paralipomena, de 1851, cujo projeto pode ser esclarecido pelo subtítulo "Pensamentos isolados, todavia ordenados sistematicamente, sobre diversos assuntos". Portanto, a própria obra original é uma espécie de coletânea dos escritos filosóficos curtos de Schopenhauer sobre temas variados. Alguns desses textos retomam questões importantes de sua filosofia, elaboradas anteriormente em O mundo como vontade e representação (1818) e em Sobre o fundamento da moral (1840), como, por exemplo, "Sobre a filosofia e seus métodos", "Da ética" e "Da metafísica do belo e da estética". Outros discutem assuntos mais prosaicos, como "Sobre o barulho e o ruído" ou o controverso "Sobre as mulheres". Em todo caso, a organização sistemática mencionada no subtítulo se evidencia sobretudo quando o autor desenvolve em mais de um texto, sob aspectos diferentes, um mesmo assunto. Os cinco escritos reunidos aqui, "Sobre a erudição e os eruditos", "Pensar por si mesmo", "Sobre a escrita e o estilo", "Sobre a leitura e os livros" e "Sobre a linguagem e as palavras" foram publicados em seqüência no Parerga e Paralipomena e apresentam um tema em comum: a literatura. As considerações a respeito de diversos assuntos feitas nos
textos giram em torno desse eixo, desenvolvendo uma argumentação que visa sobretudo identificar a decadência da literatura, criticar os escritores da época do autor, sobretudo na Alemanha, e defender um outro tipo de produção literária que possa ser contraposto ao então vigente. Em suas críticas, sempre muito contundentes, Schopenhauer chama a atenção para questões bastante atuais, cuja identificação na Alemanha de meados do século 19 pode causar surpresa. Ele ataca a literatura de consumo, procura estabelecer distinções entre os bons autores e os que escrevem por dinheiro, recrimina os jornalistas, condena o hábito de ler apenas novidades deixando de lado os clássicos e faz considerações sobre a degradação da língua pela literatura decadente. Ao desenvolver esses argumentos, o autor inclui também, às vezes de modo aparentemente ocasional, comentários depreciativos sobre a filosofia idealista, especialmente sobre Hegel. Por exemplo, ao criticar o "espírito pequeno-burguês" das literaturas nacionais, após a abolição do latim como língua erudita comum em toda a Europa, Schopenhauer afirma:
....a filosofia de Kant, após um curto período de brilho, atolou-se no pântano da capacidade de julgar alemã, enquanto os fogos-fátuos da pseudociência de Fichte, Schelling e finalmente de Hegel desfrutam, sobre esse pântano, de sua vida fugaz...[3] Em outro momento, comentando as maneiras de escrever de diversos autores, ele identifica como alguns dos principais problemas estilísticos de sua época a falta de clareza, a prolixidade e os neologismos, que seriam indícios de uma tentativa de dar aparência erudita e profunda a textos sem conteúdo. Schopenhauer caracteriza então três estilos, um "em sentenças curtas, ambíguas e paradoxais, que parecem significar muito mais do que dizem"; outro que, contrariamente ao primeiro, recorre a uma "torrente de palavras, com a mais insuportável prolixidade"; e, por fim, o estilo "científico e profundo, no qual o leitor é martirizado pelo efeito narcótico de períodos longos e enviesados". Para cada tipo estilístico caracterizado, ele dá exemplos entre parênteses, como que de passagem, mencionando Schelling como referência para o primeiro estilo, Fichte para o segundo, e os hegelianos em geral para o terceiro.[4] Mais adiante, comenta ainda que a ininteligibilidade, considerada como um disfarce dos maus escritores, foi introduzida na Alemanha por Fichte, aperfeiçoada posteriormente por Schelling e teve sua formulação mais refinada com Hegel. Então, resumindo o argumento de sua crítica ao estilo dos filósofos idealistas, o autor afirma: "Em tudo o que eles escrevem, percebe-se que pretendem parecer que têm algo a dizer, quando não têm nada". Os mesmos argumentos são retomados de maneira mais direta no texto "Sobre a leitura e os livros", no qual Schopenhauer afirma, por exemplo, que o "brilhante período de Kant" teve como seguidores pseudofilósofos que não buscavam expressar a verdade em estilo claro, mas fazer intrigas e demonstrar brilhantismo escondendo-se atrás de um estilo hiperbólico. Segundo ele, "com
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A Arte de Escrever - Arthur Schopenhauer
Non-FictionO livro é uma coletânea de cinco ensaios de Schopenhauer, são eles: Sobre a erudição e os eruditos, Pensar por si mesmo, Sobre a escrita e o estilo, Sobre a leitura e os livros e Sobre a linguagem e as palavras. O estilo do autor na apresentação de...