A parte mais difícil, e sei que você não vai acreditar, é escolher o nome.
Depois de comer tanta mulher, pegar tanta puta de bar, a gente começa a ter uma biblioteca de nomes de personagens de filmes franceses na cabeça.
Clara? O quê?
Mariana? Tá de brincadeira?
Emanuelle? Tá doente, meu irmão?
Anna? Minha mãe chama Anna!
O bebê gemeu baixinho em meu colo. Tão pequeno.
- Já decidiu, senhor? Antes de deixar o hospital, o senhor precisa registrar a criança.
- Não sei ainda. Dá mais um tempinho.
Uma enfermeira dessas e minha noite tava ganha. Vanessa, no crachá pendurado no uniforme branco. Menos um nome pra minha lista.
Seriam olhos verdes. Os de meu bebê, na certa. Era a cor dos meus olhos.
Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove... peraí, calma. Respira. Um, dois, três, quatro, cinco, seis, sete, oito, nove, dez. Dedinhos são tão pequenos, às vezes parecem ser mais, às vezes menos. São dez. Mãos e pés. Tudo lindo e perfeito.
E os lábios? Rosadinhos e cheios. Não é uma boca amargurada, sabe?, como daqueles velhos ranzinzas, uma linha em vez de lábios. Não. Uma boquinha fofa e linda. Passei o dedo por sobre a boquinha e o bebê sugou meu dedo. Tadinho, estava com fome.
- ENFERMEIRA, EI?
- Senhor, é só apertar o botão vermelho, vê? Aqui do lado da cama. Eu venho. Não precisa gritar.
- Desculpa.
- Não vou mais avisar o senhor sobre isso, tudo bem? Por isso que a outra mãe pediu pra mudar de quarto na noite passada, lembra?
- Tá com fome de novo. Você me ajuda?
- Claro. O senhor aguarda só um segundo?
E a Susana saiu rebolando aquele rabo lindo. Peraí, não era Susana, era o que mesmo? Bárbara? Jesus, eu sou um puto de um otário mesmo. Que nome eu daria pro meu bebê?
Se fosse pela beleza, seria Daniela. Menina linda. Cabelos castanhos compridos, cílios longos e os olhos mais incríveis que já vi.
Ah, mas a melhor não foi ela... Como era o nome mesmo? Não, não foi de nenhuma puta. Puta nenhuma se compara a uma mulher carente. Você sabendo que é um negócio, não é a mesma coisa; você sabe que a mulher tá ali pra pagar a fatura do cartão de crédito, não é sincero. É... pode me chamar de romântico. A melhor foi a viúva que morava no fim da rua da minha mãe, quando eu tinha 17, como era mesmo o nome? Joana. Não, Janice. Janice nada. O que eu ia fazer lá mesmo? Ah, reforço de matemática. Isso mesmo. Não sei como minha mãe acreditava naquela merda. Como um cara de 17 anos ia fazer reforço de matemática? Que desculpa os moleques usam hoje? Será que ainda comem viúvas carentes?
Bons tempos.
- Senhor, senhor.
- Ah, sim?
- Aqui a mamadeira.
A gostosa da enfermeira Suzana ou Bárbara me passou a mamadeira. Nem tive de me esforçar muito para a neném achar o bico. Que lindinha! Fazia uma baita força. Shush shush shush. Que fome! Ia ser uma menina grande e forte. Nada de brincar com boneca... nada disso, sou um pai moderno. Ela vai ser esportista, como eu. Tá bom que vai ser difícil a gente ir no futebol de salão... Mas, que porra, ela vai sim! E não existe jogadora de futebol profissional? Então. Minha menininha campeã do mundo. Toda fofa, de rabo de cavalo, aquele sorrisão, levantando a taça e oferendo a vitória ao paizão aqui.
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A parte mais difícil
Short Story"A parte mais difícil" é um conto de Natal. Uma criança nasce em uma situação inusual, beirando o bizarro. Mas é uma criança, é luz, é esperança. Seu pai, com o bebê nos braços, reconhece enfim o que é ser pai, ser mãe, ser responsável e ser abençoa...