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Observando todos os carros da avenida, me deixei encarar todas as pessoas que também passavam por ali. A mulher de cabelos ruivos, que a lente da minha câmera conseguiu enquadrar tão sutilmente. As duas crianças, ambos meninos, de mãos dadas ao lado de um casal que os observava sorrindo. A senhora que, parada na faixa de pedestres, tentou atravessar a rua.

Guardei a câmera na bolsa e corri entre as pessoas para ajudá-la. Para tentar atravessar a Paulista com aquela idade e completamente sozinha, a pessoa tem que, no mínimo, não estar mais batendo bem das ideias.

"Deixa eu ajudar a senhora?" Perguntei educadamente para a senhora de cabelo branco, que espreitou os olhos atrás dos óculos para me enxergar.

"Se não for problema pra você, menina." 

Ela me sorriu e eu sorri de volta, de imediato.

"Problema nenhum, se a senhora me deixar te fotografar depois." 

Já estávamos no meio da faixa quando ela respondeu que precisaria arrumar o cabelo. O modo como as pessoas se tornavam inocentes outra vez quando certa idade chegava me alegrava na mesma medida em que me entristecia. 

Do outro lado da rua, emprestei meu celular para que ela fizesse de espelho, mesmo duvidando que ela conseguisse enxergar alguma coisa.

"Pronto." 

Então ela passou as mãos pelo vestido florido e sorriu. Sorriu lindamente, como se a alma também estivesse feliz.  Me encantei com a foto, com os olhos apertados atrás do óculos, com os inúmeros fios brancos.

"Aqui." Mostrei pra ela. Precisei aproximar a câmera do rosto dela até que o sorriso voltasse à boca dela.

"Que foto bonita, menina! Nem parece mesmo eu, nessa minha velhice." Não soube o que responder, porque nunca fui realmente boa com palavras.

"Sua idade que tornou a foto bonita. A senhora tem o sorriso mais bonito de São Paulo."

A mão trêmula tocou meu braço lentamente e ela se despediu com um aceno de cabeça, me agradecendo pela fotografia. Enquanto quem estava grata era eu, por ter fotografado ela. A luz da manhã favorecia todas as fotos que eu tinha tirado, era como se o sol estivesse disposto a me ajudar.

O vai e vem das pessoas me deixava com a sensação de  um vazio enorme, sem saber se era em mim ou nelas.

Caminhei por vários metros até sair da avenida, entrar noutra rua movimentada, e encarar a grama verde do parque. Lugar de tanta paz que eu não me cabia em mim quando tava ali. Tirei o tênis e me deixei sentir a grama sob meus pés.

São Paulo tinha me dado esse parque de presente. Mesmo que poucas pessoas estivessem ali, o silêncio e os cachorros correndo de um lado ao outro faziam da paisagem algo bonito. E perdi a conta de quantas fotos eu tirei até que a lente da câmera congelasse nos cabelos loiros e na pele branca.

A menina a qual eu estava prestando atenção estava sentada com as pernas cruzadas, a camiseta preta contrastava com a pele branca e a capa vermelha do livro que ela tinha apoiado no colo.

Era como se ela estivesse congelada no tempo presente. E eu precisava daquela fotografia mesmo que ela nem tivesse notado minha presença ali.

"Com licença" Falei baixo, me colocando ao lado dela. A menina me encarou assustada, me fazendo sorrir. O cabelo tinha uma cor loira que tornava o rosto dela mais vivo. "Tu se importa que eu tire uma foto tua?"

O estranhamento foi tão explícito no rosto dela que logo acreditei que ela negaria.

"Você pode tirat desse outro lado? É que é meu lado melhor pra tirar." Ela respondeu meio sem jeito, sorrindo lindamente no final da frase.

De repente me peguei pensando se eu estava apresentável diante dela e arranquei aquele pensamento antes de me ajoelhar e posicionar-me para tirar a foto. Era como se até a câmera estivesse gostando de estar ali.

"Tu pode sorrir me olhando?" Perguntei me afastando um pouco mais, suficiente para que a árvore atrás dela aparecesse melhor.

A garota me encarou meio confusa meio com um semblante risonho. E percebi um pouco do sentido presente na minha frase. Como que instantaneamente meu rosto corou. A garota riu alto, um riso que me fez rir ao mesmo tempo em que consegui focar a lente nela e registrar aquele momento. Agora a gargalhada bonita tava ali pra sempre, assim como o cabelo loiro e os olhos azuis.

Me apaixonei pela fotografia por me sentir capaz de congelar o tempo e as pessoas, guardando toda num pedaço de papel que logo se tornaria amarelo, mas que guardaria traços que nunca seriam repetidos. Os momentos naquelas fotografias estariam ali para sempre, mesmo depois delas.

"Muito obrigada." Agradeci, agora mais sem jeito do que quando apareci ao lado dela. Já ela, me estendeu a mão, o olhar cor de céu da manhã me encarando.

"Letícia Tavares. O prazer é todo meu."

As Coisas Tão Mais LindasOnde histórias criam vida. Descubra agora