D O I S

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Vim aqui continuar essa história porque chaos logo acaba. Espero que ceis gostem, é isso♡

Há algo bom em não acreditar em nada, como se não houvesse fé na humanidade ou algo parecido, tipo, não ter esperanças, expectativas e todas essas coisas que nos prendem à sociedade e ao seu modo de viver incrivelmente destrutivo. Há algo bom em entender que não somos parte de nada, que o universo não está nos guiando ou coisa assim, porque é nesse momento que você entende que não tem nada a perder e muito menos a provar. É libertador.

"Você devia colocar seus pensamentos em um livro."

Vitória surgiu do nada, a voz doce invadiu a sala do meu apartamento, agora nosso, às vezes eu me esqueço disso. De qualquer forma, preciso parar de me perder nos meus próprios pensamentos e voltar a tomar meus remédios.

"Conheci uma menina no parque." -- A cacheada sentou-se ao meu lado, a xícara de café nas mãos. O fato de que tudo em São Paulo parece um clichê torna as coisas mais fáceis.

"Que legal, tirou alguma foto?"--Assenti.-- "Vai chamá-la pra sair?"

"Acho que é um pouco tarde pra isso." --Mordi o lábio inferior, pensando sobre como eu devo ter demorado um pouco pra pensar que:

1- se ela me deu seu número, era suposto que eu fosse ligar pra ela.
2- e se eu ligasse, talvez devêssemos sair, pra algum lugar, de qualquer maneira.

"Ainda são oito da noite, quando vocês se falaram?"

"Semana passada, no parque."

"É, você já disse que foi no parque, Ana. Devia ter ligado no mesmo dia ou no dia seguinte pra não parecer muito emocionada."

Vitória fala rápido e faz gestos com a mão enquanto fala e ela faz isso todas as vezes, com todas as pessoas, ela é empolgada e grata por estar viva. E não toma nenhum remédio embora tenha crises de ansiedade vez ou outra. Às vezes, como todo bom ser humano, ela fica triste também, e minhas fotografias podem provar que esse é um momento quase perfeito.

"Está fazendo de novo." --Ela segurou firme minha mão e a dela estava quente, como se o café pudesse fazer com que ela pegasse fogo. 

"Talvez eu devesse voltar a tomar meus remédios. As pessoas devem achar que eu sou louca ou algo assim, mas você sabe a verdade, pelo menos você sabe, não é, Vi?"

Vitória assentiu e me abraçou. Era o melhor abraço do mundo.

"Você precisa voltar ao consultório pra conseguir a receita, a sua está vencida." 

"Letícia disse algo sobre trabalhar em uma clínica, mas não me lembro exatamente."

Fechei meus olhos para tentar resgatar algum indício, mas nada vinha além daqueles olhos claros e a pele branca. Girando, indo e vindo, na minha mente. Vitória pareceu pensar, tempo suficiente para ligar Letícia à menina que conheci no parque.

"Então ligue pra ela, nada melhor do que um motivo real."

Dizendo isso, minha melhor amiga se levantou, a xícara na mão, e foi pra cozinha em passos largos. O número que Letícia tinha me dado estava sobre a estante, ao lado dos livros, mas só consegui ligar depois que li o nome de todos eles, que por sua vez estavam enfileirados por cor.

"o-oi"

Minha voz saiu mais tímida do que eu gostaria de parecer, ainda mais por telefone. Talvez ela conseguisse sentir o calor das minhas bochechas queimando.

"Oi, quem é?"

A voz dela era rouca, assim como no parque.

"É a Ana. Ana Clara. Do parque. A fotógrafa."

Eu estava pronta pra me descrever de mais duzentas maneiras a fim de que ela se lembrasse de mim, até que ela me interrompeu:

"Uou, eu sei quem é você. Ana Clara do parque."

Escutei o riso baixo do outro lado da linha. Merda! Ela está rindo de mim.

"Então, eu lembro de você dizer que trabalha numa clínica, ou conhece uma clínica, não sei exatamente."

"Trabalho em uma, exatamente."

Ela me interrompeu outra vez. Qual o problema em me deixar terminar minhas frases, mesmo que vez ou outra elas acabem sendo longas demais? Merda, ela está rindo outra vez.

"Pois é, na sua clínica vocês tem psiquiatras?"

"Sim, você quer agendar uma consulta?"

Dava pra ouvir, enquanto eu falava no telefone, que Vitória estava tomando banho, eu sempre tive a audição bem aguçada, o que compensava minha visão de merda.

"Sim!Sim! Quero dizer, não, eu não sou louca nem nada eu só-só quero a consulta" --Percebi que estava falando rápido demais e me perdendo nas palavras e meu rosto já queimava como se fosse explodir tamanha vergonha. --"Agende a consulta, por favor?"

"TDAH?"

Um segundo antes da voz dela aparecer, eu podia jurar que ela tinha desligado o telefone por causa da minha confusão de palavras. Mas ela ainda estava lá, e não sorria, nem ria de mim. Deu pra ouvir a porta do banheiro se abrindo enquanto Vitória provavelmente estaria saindo do banho, enrolada na toalha amarela.

"Sim. Meus remédios acabaram." --Pensei um pouco, por míseros segundos. --"Na verdade, eu decidi parar de tomá-los, mas não está ajudando muito."

"Sua consulta é amanhã, às dez da manhã." --Assenti, percebendo logo em seguida que ela não me veria assentindo.-- "Quer que liguemos com antecedência para lembrá-la, Ana Clara do parque?"

"Não, obri-obrigada, até amanhã.''

Uma vez que meu celular estava desligado, me joguei no sofá e esperei que Vitória aparecesse. Ela sempre aparecia, porque sabia que situações como essa me deixavam nervosa.

Liguei a TV e fui até a cozinha buscar algo pra comer, mesmo sabendo que estava comendo por pura ansiedade.

"Como ela é?"-- Vitória se sentou ao meu lado, o caderno substituiu a xícara e na outra não ela segurava o lápis.

"Não sei fazer poesia, igual você, mas de vez em quando eu tento."

Ela sorriu, doce que só ela, calma que só ela... Vitória leva jeito com gente doida, por isso somos amigas, porque ela aceitou minha condição quando ninguém mais me aceitava e isso me salvou.

Tentei me lembrar do exato ponto em que nos conhecemos mas tudo na minha cabeça agora é sobre a consulta de amanhã.

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⏰ Última atualização: Mar 06, 2019 ⏰

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